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Assange, Estados Unidos e o dilema constitucional

Barack Obama tentou processar o fundador da Wikileaks, mas como não fazer o mesmo com a imprensa que publicou os documentos?

Por Lúcia Guimarães Atualizado em 11 abr 2019, 16h07 - Publicado em 11 abr 2019, 15h08

O pedido de extradição que resultou na retirada à força de Julian Assange da embaixada do Equador nesta quinta-feira, 11, em Londres, está baseado em uma acusação específica. O fundador do Wikileaks foi indiciado nos Estados Unidos, em 2017, por conspirar com a soldado Chelsea Manning, então Bradley Manning, para acessar documentos reservados do Departamento de Defesa em 2010.

A acusação foi um desdobramento da investigação recém-concluída pelo conselheiro especial Robert Mueller sobre a interferência da Rússia na eleição presidencial americana de 2016.

O foco específico do indiciamento chamou a atenção de analistas que trabalharam no Departamento de Justiça. Não há referência ao hacking dos e-mails do Partido Democrata, durante a campanha daquele ano, ou ao fato de o Wikileaks publicar centenas de milhares de documentos obtidos, em 2010, graças a Manning. A pena máxima de prisão para o crime citado pelo Departamento de Justiça é de cinco anos.

Se fosse processado sob o Ato de Espionagem, uma lei centenária aprovada durante a Primeira Guerra Mundial, Assange estaria sujeito a uma pena bem mais longa. Chelsea Manning recebeu 35 anos sob a mesma lei e teve a pena comutada por Barack Obama dois dias antes de ele deixar a Casa Branca, em janeiro de 2017. Manning foi presa de novo no dia 8 de março por se recusar a testemunhar sobre o Wikileaks no caso revelado hoje.

Dilema constitucional

Embora os advogados de Assange tenham anunciado que vão contestar o pedido de extradição, em um processo que pode se arrastar por meses ou mais de um ano, nada impede a Justiça americana de fazer novas acusações. Mas a ausência das ações de “transmitir e publicar” informações confidenciais aponta para uma possível dificuldade já examinada pelo Departamento de Justiça sob Obama. O ex-presidente bem que tentou enquadrar Assange. Afinal, foi ele quem trouxe de volta o instrumento legal do Ato de Espionagem para combater vazamentos no governo.

Um ex-alto funcionário do Departamento de Justiça explicou à revista The New Yorker, em 2017, por que os promotores tinham discretamente abandonado o esforço de enquadrar Assange.

“Como você processa Assange por publicar informação confidencial e não processa o New York Times?,” argumentou Matthew Miller, referindo-se a um dos meios de comunicação que editou parte do material vazado pelo Wikileaks.

A defesa de Assange deixou claro nesta quinta-feira que vai seguir a linha da defesa de expressão, protegida pela Primeira Emenda da Constituição americana, e caracterizar o cliente como um jornalista perseguido. Ou seja, não só a imprensa americana, mas qualquer jornalista estrangeiro estaria sujeito a um pedido de extradição por publicar segredos do governo.

Depois do último vazamento, em cooperação com a Rússia pela derrota de Hillary Clinton, em 2016, Assange não conta com a simpatia de liberais americanos, antes chocados com os segredos militares das guerras no Iraque e Afeganistão, em 2010, revelados pelo Wikileaks. Mas, após a sua prisão, em Londres, mesmo comentaristas que o detestam alertaram para o vespeiro constitucional que seria aberto se novas a acusações recaírem sobre Assange, caso ele seja extraditado.

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“Seria um mau precedente para qualquer um que publique informação”, disse o veterano conselheiro jurídico do jornal The New York Times, David McGraw, em julho passado. Ele fazia uma palestra para juízes federais, na Califórnia, quando caracterizou Assange como um publisher. Os críticos do australiano dizem que ele e o Wikileaks não fazem jornalismo porque apenas despejam segredos sem filtro ou edição. Além disso, colocam em risco a vida de pessoas, como foi o caso da exposição de informantes afegãos em áreas controladas pelos Talebãs, nos documentos vazados em 2010.

A luta judicial que Julian Assange começa agora vai destacar uma inédita dicotomia no governo dos Estados Unidos. O secretário de Estado, Mike Pompeo, classificou o Wikileaks como serviço de inteligência inimigo não pertencente a uma nação. Já seu chefe, Donald Trump, dizia “I love Wikileaks” e elogiou a organização mais de 50 vezes durante a campanha de 2016. Em um comício, pediu diretamente à Rússia para encontrar e-mails de Hillary Clinton. Sabe-se que, no mesmo dia, hackers russos começaram a acessar a caixa de mensagens eletrônicas dela.

Em fevereiro passado, o ex-advogado e “faz tudo” de Trump, Michael Cohen, já condenado a 3 anos de prisão, revelou sob juramento ao Congresso que Trump sabia do vazamento iminente em 2016. Tinha recebido uma chamada de seu velho amigo e colaborador Roger Stone, também indiciado por Robert Mueller. Stone teria dito que tinha acabado de telefonar para tratar do assunto com Julian Assange. Trump teria respondido: “Isto não seria ótimo?”

Hoje, na Casa Branca, um subitamente lacônico Trump reagiu à prisão de Assange dizendo: “Não tenho opinião sobre as acusações.”

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