Todos os governos com inclinação autoritária tentam “para o bem do povo” tirar-lhe a liberdade. O governo argentino superou a todos. Na quarta-feira, com a justificativa de “proteger a saúde da população”, Cristina Kirchner restringiu a entrada de livros importados no país. A reação à medida, porém, foi tão forte que o governo teve de recuar nesta quinta-feira.
A determinação, embasada numa lei aprovada recentemente, era de que toda a carga que chegasse à alfândega fosse analisada. Só seriam liberados os livros cuja tinta tivesse, em sua composição química, concentração de chumbo inferior a 0,06%.
O governo previa reter não apenas as grandes importações, mas também as pequenas compras individuais, como as feitas pela Amazon. De acordo com a norma, qualquer pessoa que encomendasse um livro teria de ir até o aeroporto de Buenos Aires e pagar uma taxa para que a publicação fosse verificada. Só aquelas que atendessem as exigências da “lei do chumbo” seriam liberadas. Ou seja: a medida obrigava o deslocamento à capital de todos que quisessem importar uma publicação.
A grita generalizada, no entanto, obrigou o governo Kirchner a dar um passo atrás: as importações para uso próprio, sem fins comerciais, foram liberadas. Também ficaram autorizadas as remessas até 50 quilos pelo correio, cujo preço não ultrapasse 1.000 dólares. Esse tipo de importação é amplamente usado por livrarias e editoras – é o caso, por exemplo, das 20 provas que um escritor recebe, de praxe, quando uma obra sua está sendo traduzida no exterior.
Em defesa da norma, levantaram-se apenas as vozes solitárias – sobretudo de setores muito alinhados com o governo argentino e que poderiam tirar proveito direto da situação. A manifestação mais esdrúxula talvez tenha sido a de Juan Carlos Sacco, da Federação Argentina da Indústria Gráfica. “É uma medida séria”, disse ele. “Podemos passar o dedo na língua para mudar de página.”
Resta saber se Cristina sustentará, de fato, a restrição de remessas maiores, que prejudica não só editoras e livrarias, como a própria população que o governo diz defender – já que cerca de 80% dos livros consumidos no país são importados, sobretudo de outras nações de língua espanhola.
O governo Kirchner vem dificultando a entrada de importados na Argentina, usando para isso o mecanismo da “autorização prévia”, pelo qual diversos setores da economia têm de pedir licença para trazer ao país produtos estrangeiros – e não existe prazo definido para que a papelada seja expedida. É nesse sistema que editoras e livrarias podem se ver enquadradas a partir de agora.