Em dezembro de 2017, meu marido conseguiu uma transferência de trabalho para Singapura. E lá fomos nós, com nosso filho, então com apenas 6 anos, viver em um país a respeito do qual tínhamos uma imagem muito marcada, a de um Estado-nação rígido, em que há multa para tudo, na rua, no transporte público, até dentro de casa. Uma reportagem da revista Wired, lá nos idos de 1990, chamou Singapura de “Disneylândia com pena de morte”. Soube que fez um barulho imenso. Triste admitir, mas não é uma constatação muito longe da realidade. O país é lindo, extraordinariamente bem organizado, avesso à burocracia e justo com os que trabalham — e, no entanto, as pessoas são condenadas a levar varadas nas costas por determinados crimes, além de estar sujeitas a pena de morte. Não há margem de tolerância alguma para o uso e o tráfico de drogas e o porte ilegal de armas. Para conceder o visto de residente permanente a um solicitante, o governo acessa sua ficha médica e exige que ele faça um exame de aids. Há um nível grande de intromissão na vida privada. É proibido mascar chiclete e as pessoas são multadas por jogar lixo no chão e outros delitos pequenos. A homossexualidade é proibida, embora as autoridades façam vista grossa.
Não é fácil, e, no entanto, ouso dizer que temos, em Singapura, uma ditadura branda, um país autocrático, sim, mas ancorado em um total respeito à meritocracia. Sabendo compreendê-lo, vive-se com tranquilidade. É duro, mas não é irracional. Para todo crime que acontece nas ruas, a polícia faz questão de informar os cidadãos, pondo um aviso no local e explicando a pena por aquele delito. O Estado está sempre presente, como um grande olho em todos os lugares. Tudo somado, sempre me pergunto, entre os prós e os contras: valeu a pena ter saído do Brasil para viver em Singapura? A resposta: infelizmente sim, mas eu não queria ter deixado meu país.
Decidi sair do Brasil porque estava insatisfeita com o cotidiano político, com a polarização, com os escândalos de corrupção que não paravam de aparecer na imprensa e que se confirmavam. As vantagens de Singapura, se levarmos em consideração o que vivemos no Brasil, são variadas. Dois dias depois de desembarcar, eu já tinha meu visto de permanência temporária e em aproximadamente meia hora emiti as autorizações para abrir meu negócio. Era jornalista e agora tenho uma pequena companhia de tecnologia. Em comparação, até agora não consegui fechar a empresa que administrava em São Paulo. Durante os primeiros três anos de uma empresa não é preciso pagar impostos. O governo busca incentivar e dar um impulso inicial, para que no futuro as companhias possam dar retorno ao Estado. O meu negócio está crescendo e em breve vou começar a contratar singapurianos. Estou conseguindo fazer algo que há cinco anos não conseguia no Brasil, que é economizar dinheiro.
O sistema aqui não é burocrático nem lento, tampouco existe a profissão de despachante, invenção brasileiríssima e absurda. Tudo é controlado eletronicamente, desde a emissão de documentos até o pagamento de seguro e impostos. Os procedimentos são corretos, organizados e funcionais. A criminalidade é zero e a corrupção, quase inexistente. A grande diferença? Há lei e ordem. Nunca recebi uma proposta incorreta no trabalho ou oferta de pagamento por fora. Aqui não existe jeitinho. Impõe-se o cotidiano na marra, com permanente e às vezes invasiva presença estatal, mas talvez seja o preço a pagar para que meu filho possa crescer com segurança — ele tem quase 8 anos, vai e volta da escola sem medo, plenamente seguro. Não quero mais retornar para o Brasil, apesar da saudade. Ganhei uma segunda chance na vida.
Depoimento dado a Julia Braun
Publicado em VEJA de 29 de maio de 2019, edição nº 2636
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