O papa Francisco lançou um alerta nesta quinta-feira, 21, contra “posições ideológicas inflexíveis” que, segundo ele, podem impedir a Igreja Católica de enxergar a realidade e avançar. Seus comentários ocorrem dias depois dele emitir uma declaração permitindo que padres distribuam bênçãos a casais gays, o que embora ainda proíba o matrimônio, suscitou críticas entre a ala mais conservadora do Vaticano.
O alerta de Francisco apareceu durante as suas tradicionais saudações de Natal aos membros da Cúria, a administração central do Vaticano. Desde que tornou-se pontífice, em 2013, o papa tem usado essa ocasião para fazer críticas contundentes à burocracia e hierarquia da Igreja, que chamou de “doenças”.
Caminhos inexplorados
Nesta quinta-feira, ele mencionou o debate persistente entre católicos progressistas e conservadores, que continua mesmo 60 anos depois do Concílio Vaticano II, responsável por introduzir a Igreja no mundo moderno.
“Permaneçamos vigilantes contra posições ideológicas inflexíveis que muitas vezes, sob o pretexto de boas intenções, nos separam da realidade e nos impedem de avançar”, declarou. “Somos chamados, pelo contrário, a caminhar por uma jornada, como os Magos, seguindo a luz que sempre quer nos guiar, às vezes por caminhos inexplorados e por novos caminhos”, acrescentou.
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Ele também disse que cristãos deveriam estar sempre inquietos e abertos à mudança.
“A fé cristã – lembremo-nos – não se destina a confirmar o nosso sentimento de segurança, a deixar-nos acomodar-nos em confortáveis certezas religiosas e a oferecer-nos respostas rápidas aos problemas complexos da vida”, disse, completando que “Deus nos tira das nossas zonas de conforto”.
Católicos gays
Na segunda-feira 18, o papa aprovou uma decisão segundo a qual os padres podem agora abençoar casais gays, desde que a cerimônia não se assemelhe ao rito do casamento nem faça parte das liturgias da Igreja. Embora a iniciativa tenha sido bem recebida por muitos, cardeais conservadores alegaram que se tratava de algo com potencial para abalar os alicerces da fé e até levar a uma cisão na Igreja.
Ao longo dos 10 anos de papado, Francisco tem tentado tornar a Igreja mais acolhedora para membros que se sentem excluídos, como pessoas da comunidade LGBTQIA+, mas sem alterar qualquer parte dos ensinamentos da Igreja sobre questões morais nem abandonar a doutrina.
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O papa se propõe a tocar em assuntos tabu que abrem uma fresta para uma mudança sobretudo de tom, de modo que a igreja não se ponha de costas aos incontornáveis ventos da modernidade. Algo necessário: nos últimos anos diante de números que revelam um declínio de católicos em pontos do planeta em que historicamente formavam um contingente inabalável, como na América Latina, onde a população que se identifica assim caiu de 70% para 57% em uma década, situação semelhante à dos Estados Unidos e à de países europeus.
Sínodo dos Bispos
O debate se intensificou nestes dias com o Sínodo dos Bispos, espécie de órgão consultivo do pontífice com o objetivo de traçar os rumos da Igreja, que se encerra no domingo 29. Esta edição contém alguns ineditismos — a começar pela pauta recheada de tópicos polêmicos, que o próprio papa pôs à mesa. A lista incluía, além da bênção a uniões gays, celibato, padres casados, e a ascensão de mulheres na hierarquia eclesiástica.
O papa, com seus inúmeros problemas de saúde, acaba de completar 87 anos, no domingo 17 – e por isso dá sinais de apressar o passo para conter a diminuição de fiéis e deixar um legado.
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Já entrou para a história como o maior fazedor de santos do catolicismo, o que alimenta a liturgia. Também pôs nomes de sua confiança em 99 das 137 vagas para cardeais, justamente os responsáveis por eleger o próximo pontífice. A composição é mais heterogênea hoje, com a chegada de religiosos africanos e latino-americanos, que conquistam espaço em um universo predominantemente europeu.
Embora a Igreja Católica seja lenta nas mudanças, pelo menos ele deixará frutificando ideias que, em seu conjunto, miram uma Igreja menos engessada e mais inclusiva.