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Aiatolás em baixa: o povo vai às ruas no Oriente Médio

Dentro das fronteiras, o governo de Teerã é desafiado por manifestações; fora, vê sua influência regional se esfacelar em protestos no Iraque e no Líbano

Por Ernesto Neves Atualizado em 6 dez 2019, 17h33 - Publicado em 6 dez 2019, 06h00

Durante cinco dias de novembro, o Irã, que já não é um país dos mais abertos, isolou-se quase completamente do mundo. Motivo: um apagão da internet executado pelo governo para esconder a dimensão dos protestos de rua que sacodem as grandes cidades iranianas desde 15 de novembro. O tráfego on-line caiu a 10% do normal, mantido apenas para órgãos oficiais. Uma vez restaurado o serviço, vídeos e relatos apressaram-se a mostrar a Guarda Revolucionária, unidade militar de elite, reprimindo as passeatas com tiros, espancamentos, canhões de água e gás lacrimogêneo. Segundo a Anistia Internacional, o número de mortos em quatro dias de manifestações pode chegar a 450, com 2 000 feridos e 7 000 presos. À ebulição interna contra o regime dos aiatolás soma-se a corrente de insatisfação com a mão pesada do Irã no destino de dois aliados, o vizinho Iraque e o Líbano. De país que começou o ano como potência em expansão no Oriente Médio, capaz de fazer e acontecer em uma área de influência que ia até a Síria — onde apoia o sangrento governo de Bashar al-Assad —, o Irã termina 2019 atolado em problemas e sentindo o seu poder se perder nas dobras do turbante.

O estopim para os protestos no Irã não tem novidade alguma: um aumento no preço dos combustíveis de 50% para os primeiros 60 litros e 300% para os demais — isso no país dono da quarta maior reserva de petróleo do mundo. A princípio, as manifestações foram pacíficas — imagens no YouTube mostravam jovens sentados em rodovias, jogando cartas. A repressão brutal elevou a temperatura, com postos de gasolina e prédios públicos incendiados, rodovias bloqueadas por carros queimados e a capital, Teerã, sitiada. A crise econômica e a insatisfação popular no Irã se intensificaram depois que, no ano passado, Donald Trump, cumprindo uma promessa de campanha, retirou os Estados Unidos do acordo nuclear que o Irã e seis potências mundiais haviam assinado em 2015 e, em nome de uma “doutrina da pressão máxima”, reinstituiu um bloqueio internacional à compra do petróleo iraniano. Como resultado, a moeda local, o rial, virou pó, o PIB deste ano deve encolher 6% e calcula-­se que a inflação passe dos 50%. “Não se viam atos dessa magnitude desde 1979, quando a Revolução Islâmica derrubou o xá Reza Pahlevi e instalou em seu lugar o regime teocrático do aiatolá Khomeini”, diz Hooshang Amirahmadi, presidente do Conselho Iraniano-Americano.

Ao lado da deterioração econômica interna, o regime presidido por Hassan Rohani e comandado de fato pelo aiatolá Ali Khamenei está sendo incapaz de conter o esfacelamento de seu corredor de influência regional. Na Síria, onde fornece ao ditador Bashar al-Assad armas e combatentes, a guerra civil não acaba nunca. No Líbano, o Hezbollah, uma milícia que virou o fiel da balança política e é sustentada por uma caixinha anual de 700 milhões de dólares do Irã, vem sendo desafiado pela população, que, nas ruas, pede o desmonte do frágil sistema político atual. A mesma demanda é feita no Iraque, com efeitos devastadores. Estima-se que 400 pessoas tenham morrido desde outubro em manifestações diárias contra os políticos, a corrupção, a falta de esperança dos jovens e, pairando sobre tudo, a sombra do Irã, que dá as cartas no país desde a deposição de Saddam Hussein, em 2003.

No Iraque de maioria xiita, tal qual a vizinha república dos aiatolás, mas de costumes e tradições muito mais liberais, os manifestantes, fartos da predominância iraniana em todos os setores, conseguiram que o primeiro-­ministro Adel Abdul Mahdi, aliado de Teerã, renunciasse no domingo 1º, debilitando ainda mais a estratégia do vizinho para se tornar uma superpotência regional. “A pretensão dos aiatolás era formar um corredor xiita com Iraque, Síria e Líbano e expandir sua influência até o Mar Mediterrâneo, ameaçando a segurança dos inimigos Israel”, explica Michael Barak, do Centro de Estudos do Oriente Médio da Universidade de Tel Aviv. Segundo o ran­king militar Global Firepower, o Irã é a 14ª nação mais poderosa em uma lista de 137 países, com 873 000 integrantes nas Forças Armadas, e mantém controle férreo sobre as engrenagens que movem o país. “O regime não corre risco iminente de colapso, mas enfrenta um volume inédito de pressão”, avalia Elizabeth Shakman Hurd, professora de ciências políticas da universidade americana Northwestern, em Illinois. No clima sempre explosivo do Oriente Médio, os sinais são de alerta.

Publicado em VEJA de 11 de dezembro de 2019, edição nº 2664

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