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Abbas: Trump desqualificou os EUA como mediador da paz

Estado Palestino tomará "medidas fortes" contra reconhecimento de Jerusalém como capital israelense nos próximos dias

Por Denise Chrispim Marin Atualizado em 14 Maio 2018, 17h58 - Publicado em 14 Maio 2018, 12h44

Diante das celebrações dos 70 anos da independência de Israel e da inauguração da embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém, o presidente do Estado Palestino, Mahmoud Abbas, acusou o governo israelense de promover uma limpeza étnica e o apartheid e de não ter ingressado de boa-fé nas últimas negociações de paz. Em entrevista por escrito para VEJA, Abbas disse que o governo de Donald Trump desqualificou os Estados Unidos como mediador em futuras negociações de paz ao ter reconhecido Jerusalém como capital de Israel.

“O que está claro é que o governo dos Estados Unidos não poderá jamais ter um papel de mediador honesto”, declarou Abbas. “O principal objetivo da minha Presidência é alcançar o total reconhecimento internacional dos direitos do povo palestino, incluindo o fim completo da ocupação israelense e a libertação do Estado Palestino, com Jerusalém Oriental como sua capital”, disse mais adiante, referindo-se à sua posse, no início de maio, para um novo mandato presidencial.

Conhecido como Abu Mazen, Abbas reiterou o luto dos palestinos no Nakba (catástrofe, em árabe). No dia de hoje, em que Israel festeja sua independência, a Palestina observa o Nakba, a referência histórica ao deslocamento forçado pelos israelenses de cerca de 750.000 palestinos, em 1948. Atualmente, essa população soma 6 milhões de pessoas e, segundo Abbas, os deslocamentos forçados continuam a ser praticados por Israel.

“Eu mesmo tinha 13 anos quando fui forçado a deixar minha cidade, Safad, na Alta Galileia, e a caminhar até a Síria, onde me tornei refugiado”, lembrou Abbas. “Isso não é apenas expulsão. Esse tema tem a ver com traumas e, mais importante, com uma negação sistemática de nossos direitos.”

Segundo Abbas, a Reunião de Lideranças Palestinas vai adotar “medidas fortes” para responder ao novo contexto de reconhecimento de Jerusalém como capital israelense pelos Estados Unidos.

Abbas faz questão da menção ao “Estado Palestino”, em vez de “Territórios Palestinos” ou “Autoridade Palestina”. O Brasil reconhece o país como Estado da Palestina desde 2010. Em dezembro de 2012, a ONU declarou que passaria a usar a designação “Estado da Palestina” em todos os seus documentos oficiais. Um ano depois, 134 dos 193 membros da ONU reconheceram a existência do Estado da Palestina.

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Lei abaixo a entrevista de Abbas a VEJA.

O que significa para os palestinos os 70 anos de Israel? Por que a fundação do Estado de Israel ainda é chamada de nakba (catástrofe) pelos palestinos? Não poderia ser diferente?

Nakba significa catástrofe, e é precisamente a melhor palavra para descrever o processo de limpeza étnica que desenraizou dois terços do nosso povo de sua terra natal. Nós falamos de mais de 418 cidades e vilas que sofreram limpeza étnica e de um deslocamento forçado que se manteve ininterrupto. Todo ano, palestinos são compelidos a se deslocar pelas forças de Israel, especialmente os de Jerusalém. Atualmente, 6 milhões de palestinos são refugiados dispersos pelo mundo.

Eu mesmo tinha 13 anos quando fui forçado a deixar minha cidade, Safad, na Alta Galileia, e a caminhar até a Síria, onde me tornei refugiado. Isso não é apenas expulsão. Esse tema tem a ver com traumas e, mais importante, com uma negação sistemática de nossos direitos. Este é o significado do atual Nakba, que continua a afetar a vida de todos os palestinos, quer eles estejam vivendo no exílio, ou sob a ocupação militar israelense ou entre os cidadãos de Israel.

Os palestinos poderiam fazer uma autocrítica por não ter construído a paz e uma relação razoável com os israelenses? Em quais tópicos os palestinos erraram? O terrorismo foi um deles?

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É totalmente inaceitável sugerir que a vítima é responsável pelo crime. Há leis, resoluções que foram sistematicamente violadas por Israel nos últimos 70 anos, com Israel desfrutando de uma cultura de impunidade sem precedentes. Por isso Israel continua a se comportar como um país acima das leis internacionais.

Você falou em terrorismo. A limpeza étnica da Palestina começou com uma coleção de crimes de guerra, massacres e ataques terroristas dos israelenses, como foi o massacre de Deir Yassin, que explodiu os hotéis King David e Semiramis e plantou bombas nos mercados palestinos.

Há poucos dias, as células terroristas israelenses tentaram queimar uma casa na vila de Duma, o mesmo local onde eles queimaram vivos os Dawabsheh há três anos, somente porque era uma família palestina. A violência e o terror não devem ser aceitados, não importa a razão.

Há dez anos nós estamos disseminando a cultura da paz entre a nossa gente, combatendo o terrorismo na nossa região e no mundo todo.  Por isso nós concluímos 83 protocolos de segurança com países para o combate ao terrorismo.

Apesar da ocupação israelense e da violência de seus assentamentos contra a nossa gente, nós ainda honramos os nossos acordos com Israel. Nós nos valemos apenas de meios políticos e diplomáticos para alcançar os nossos objetivos.

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O senhor foi eleito para um novo mandato como presidente do Estado Palestino na semana passada. Quais foram as melhorias nas condições de vida dos palestinos conquistadas em seu último mandato? Quais são os seus principais projetos para este mandato?

Nós vivemos sob uma ocupação colonial, o que significa que todos os aspectos das nossas vidas são controlados pelo poder colonial, que não pretende acabar com sua ocupação ilegal. Ainda assim, fizemos esforços extraordinários, junto com membros da comunidade internacional, para melhorar os serviços prestados a nosso povo e para construir as instituições do nosso Estado com base nas leis internacionais.

Segundo o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a União Europeia, nós alcançamos em 2011 os padrões globais da condição de Estado. Mas novamente nos confrontamos com a realidade da ocupação. Atualmente, nós perdemos o equivalente a 70% a 80% do nosso Produto Interno Bruto (PIB) com os custos relacionados à ocupação israelense. Israel controla nossas fronteiras, terras em geral e recursos naturais, especialmente a água.

O principal objetivo da minha Presidência é alcançar o total reconhecimento internacional dos direitos do povo palestino, incluindo o fim completo da ocupação israelense e a libertação do Estado Palestino, com Jerusalém Oriental como sua capital.

Muitos especialistas dizem não haver hoje as condições básicas para um processo de negociação de paz entre palestinos e israelenses. Eles estão corretos ou o senhor pode fazer mais um esforço nessa direção?

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Nós queremos nos sentar e negociar com base na legitimidade internacional. A questão é: Israel aceitaria negociar os termos de sua retirada ou se sentaria para usar as negociações como uma cortina de fumaça para fortalecer sua ocupação colonial, seu regime de apartheid?

Por isso, eu apresentei um plano de paz em fevereiro ao Conselho de Segurança, que inclui a necessidade de um mecanismo multilateral para facilitar as negociações em um calendário limitado, com termos de referência baseados nas leis internacionais e nas resoluções das Nações Unidas e, mais importante, com mecanismos de prestação de contas sobre a adoção dos acordos.

Neste momento, que país ou líder poderia ser um mediador confiável? Donald Trump poderia sentar-se à mesa de negociações com o senhor e Benyamin Netanyahu?

Não se tratam de nomes, mas de um sistema. O governo Trump decidiu se desqualificar para a posição de mediador com a sua sincera adoção da narrativa de Israel, dos assentamentos e ao abandonar a solução dos dois Estados como solução negociadora.

Como mencionei antes, nós precisamos do apoio internacional, não apenas de um país ou de um líder. Podemos ir pelo modelo do Quarteto Mais Um ou dos membros permanentes do Conselho de Segurança mais outros países. O que está claro é que o governo dos Estados Unidos não poderá jamais ter um papel de mediador honesto.

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A guerra civil na Síria e as ambições do Irã no Oriente Médio criam barreiras para um processo efetivo de negociações entre os palestinos e os israelenses? Esses movimentos estão distraindo o mundo para a causa palestina e suas demandas?

Não. A situação regional deve servir como um incentivo para a comunidade internacional resolver a questão central da região, que é a Palestina. Nós estamos aqui. A Palestina continua a estar no coração do mundo árabe, não importa o que os outros possam dizer.

A paz na região passa pela Palestina. O mundo tem de estar ao lado e apoiar a liderança moderada e a coexistência tolerante na nossa sociedade, onde cristãos e muçulmanos vivem sob uma lei e desfrutam da mesma cidadania palestina.

Como o Estado Palestino planeja lidar com Israel nos próximos 70 anos? Há possibilidade de paz, cooperação e boas relações entre as duas Nações no futuro?

Nosso objetivo é alcançar uma paz justa e duradoura baseada na soberania dos dois Estados democráticos, vivendo lado a lado em paz, segurança e prosperidade dentro de fronteiras estabelecidas em 1967, com Jerusalém Oriental como capital do Estado da Palestina e alcançando uma solução final para todos os problemas, incluindo os refugiados, por meio da adoção das leis internacionais e da resolução 164 das Nações Unidas.

Isso será a chave para a paz e, se acontecer, a iniciativa de paz árabe poderá ser adotada e a normalização das relações entre Israel e o resto da região terá sucesso.

Israel está celebrando seus 70 anos no momento em que os Estados Unidos e outros países estão transferindo suas embaixadas para Jerusalém. O Estado Palestino está perdendo sua capacidade de sensibilizar os Estados Unidos e parte do mundo para suas principais causas?

Os Estados Unidos decidiram violar as obrigações internacionais ao reconhecer Jerusalém como a capital de Israel e ao transferir sua embaixada. Isso não é um caso isolado. Os Estados Unidos também se retiraram da Unesco. O governo americano encoraja a anarquia internacional e tem carregado consigo alguns países. Isso não é o fracasso da Palestina.

Entretanto, temos de reavaliar a nossa estratégia e elaborar um plano articulado para enfrentar esses novos desafios. Essa foi a razão pela qual nós reunimos o Conselho Nacional Palestino em Ramallah algumas semanas atrás. Nos próximos dias, a Reunião de Lideranças Palestinas vai adotar medidas fortes sobre isso.

Que tipo de reações do governo e do povo palestino podem ser esperadas para os próximos dias? O Estado Palestino vai insistir em seu direito de declarar Jerusalém Oriental como sua capital? Essa demanda pode receber o apoio da população local?

Na terça-feira, vamos considerar o óbvio: que Jerusalém é questão relacionada ao estatuto final, que Jerusalém Oriental é uma parte integral do território da Palestina desde 1967 e que os Estados Unidos estão comprometidos com a ilegalidade que encoraja os policiais israelenses a deslocar forçosamente as famílias palestinas e a expansão dos assentamentos coloniais em Jerusalém Oriental. Os Estados Unidos tomaram uma decisão irresponsável ao transferir sua embaixada enquanto nós estamos enlutados pelos 70 anos de Nakba.

Em relação à reação geral a esse insulto contra nossos direitos nacionais, nós apoiamos o direito do nosso povo de fazer uso de todos os instrumentos não violentos possíveis, incluindo o boicote a produtos de assentamentos coloniais israelenses e manifestações populares pacíficas em favor da nossa liberdade e independência.

Nós conclamamos todos os povos a demonstrar seu apoio a esta causa justa do nosso povo por liberdade, Justiça e paz. Como eu disse, a Liderança Palestina tomará fortes ações para proteger nossos direitos.

Israel se reconhece como um estado judaico. A Arábia Saud ita, os Emirados Árabes e o Bahrein se reconhecem como Estados islâmicos. Por que os palestinos reconhecem o segundo grupo, mas não o caso de Israel?

Nenhum país árabe se autodenomina Estado Islâmico. No seu caso, o Estado é chamado de República Federativa do Brasil, e é assim que reconhecemos o Brasil. Israel se autodenomina Estado de Israel, e é assim que o reconhecemos há mais de 24 anos, assim como faz o Brasil.

Como você tocou nesse assunto, deixe-me esclarecer que a Palestina não reconhecerá Israel como um Estado judaico por uma questão de princípio: não vamos legitimar a discriminação sistemática de Israel contra 20% de sua população, que não é judia, mas palestina originária daquela terra. Israel deve parar de usar argumentos religiosos para justificar o racismo, as violações e os crimes de guerra.

O governo israelense está fazendo de tudo para fazer de um conflito político com potencial solução uma guerra religiosa. Isso tem de parar.

Certa vez, o líder palestino  Yasser Arafat foi perguntado se era antissemita. Ele respondeu: como posso ser antissemita se todos os árabes são filhos de Sem? Como o senhor reage ao fato de ter sido chamado de antissemita na semana passada por causa de declarações polêmicas sobre o povo judeu?

Isso não é questão para se concordar. É um fato simples: nós somos uma Nação semita. Sobre acusarem-me de antissemita, permita-me dizer o seguinte: eu fui o primeiro líder árabe a declarar o Holocausto como o crime mais hediondo da História. O povo palestino, que sofre injustiça, opressão e a negação de sua liberdade e paz, é o primeiro a pedir que acabe a injustiça e o racismo que se abate sobre outros povos sujeitos a esses crimes.

Eu estou à frente de todo o povo palestino para dizer que o Holocausto é o crime mais hediondo da História, enquanto o senhor Netanyahu não pode nem reconhecer o Nakba e as políticas bem documentadas de limpeza ética contra o nosso povo.

Acima de tudo, e compreendendo que pessoas se sentiram ofendidas pelos meus (recentes) comentários, eu fui longe ao pedir perdão. Quantos líderes mundiais fariam isso? Israel e seus aliados poderiam tentar uma pontuação melhor. Mas eles bem sabem que eu venho dedicando minha vida toda à busca de uma paz justa e duradoura entre israelenses e palestinos.

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