Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

A ‘islamofobia’ americana, nove anos depois dos atentados

Especialistas acreditam que discriminação tem razões históricas e políticas internas, fortemente ligadas à figura do presidente Barack Hussein Obama

Por Manuela Franceschini
11 set 2010, 12h12

A intolerância religiosa, que surgiu ao longo da história americana e ganhou força após os atentados terroristas de 2001, manifesta-se de maneira mais intensa agora não só por conta do terrorismo, mas por questões internas dos EUA, segundo analistas ouvidos por VEJA.com. Eles acreditam que a explosão de “ódio contra muçulmanos” está particularmente atrelada ao perfil do presidente Barack Hussein Obama – negro e com ascendência islâmica, um perfil contrário ao do típico cidadão americano. Por isso, o nono aniversário dos ataques é lembrado em meio a uma série de polêmicas: da construção de um centro islâmico perto do local dos antentados a um chamado para a queima do Corão, o livro sagrado do islamismo.

O pastor Terry Jones, que lidera uma pequena igreja com tendências anti-islâmicas na Flórida, planejava promover a queima, neste sábado, 11 de setembro. Pressionado, voltou atrás. Ao invés disso, propôs viajar a Nova York para se encontrar com o imã Feisal Abdul Rauf, que, por sua vez, deseja construir um centro islâmico perto do marco zero, onde ficavam as Torres Gêmeas, em Nova York. O projeto gerou polêmica e centenas de pessoas foram às ruas em repúdio. No último dia 22, lia-se em cartazes pela cidade: “não deixem o Islã sair vitorioso com uma mesquita”. O presidente americano defendeu a construção do centro, dizendo que “os muçulmanos têm o mesmo direito de praticar sua religião que qualquer um nesse país”. Para 18% dos cidadãos deste país, no entanto, o próprio Obama é muçulmano, segundo uma pesquisa do Pew Research Center.

Motivos – Uma das razões para o aumento “islamofobia” nos Estados Unidos seriam, de acordo com Kathleen Moore, do Departamento de Estudos Religiosos da Universidade da Califórnia, as eleições legislativas, marcadas para novembro. “Dado que a administração Obama e suas políticas para a recuperação econômica serão colocadas à prova nas urnas, o medo do Islã no país é uma forma eficaz de mobilizar o voto”, diz. “A intolerância contra o Islã surge como um instrumento útil para a mobilização política contra os democratas”.

Para ela, o questionamento da credibilidade do presidente americano passa pelo movimento anti-negro e encontra um bode expiatório na ascendência muçulmana de Obama. “Hoje, não é socialmente aceitável dizer que um homem negro não é qualificado para ser presidente, mas é socialmente aceitável dizer que um muçulmano não pode ocupar este cargo. Na verdade, quem fala isso se sente desconfortável é com a cor da pele do presidente”, afirma.

Origem – A intolerância religiosa e étnica nos Estados Unidos, no entanto, tem uma longa história. “A resistência em relação à construção do centro islâmico e as ameaças de queimar o Corão representam uma extensa corrente de intolerância que remonta ao início da nação americana”, aponta Rudy Busto, também da Universidade da Califórnia.

Continua após a publicidade

Segundo o especialista em estudos religiosos, muitos americanos ainda acreditam que o verdadeiro cidadão dos Estados Unidos têm um perfil específico: um homem branco, protestante, de classe média e heterossexual. Como exemplo, Busto cita a primeira lei que estabelecia a cidadania no país, em 1790. “Para um cidadão ser americano, ele deveria ser ‘livre e branco’. Sempre houve intolerância, contra africanos, asiáticos, católicos. Basicamente, quanto mais distante a pessoa estiver do estereótipo, sofrerá mais intolerância e discriminação”, diz.

Erros – A tragédia de 11 de setembro gerou uma extensa sequência de equívocos ao longo desses nove anos. “O primeiro dos erros é confundir árabe com muçulmano. Em seguida, confundir muçulmano com xiita, xiita com fundamentalista, fundamentalista com terrorista e terrorista com árabe”, diz Mario Sérgio Cortella, filósofo e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Os atentados não destruíram apenas os símbolos do poder nacional, mas demonstraram, também, que o país é tão vulnerável e sujeito à violência qualquer outro do mundo.

Mudanças – Essa descoberta gerou uma ansiedade que, segundo Busto, tornou-se mais evidente com a eleição de Obama, o primeiro presidente afro-americano. “A maneira como o país está mudando é muito profunda para uma parte da população. Os conservadores de direita continuam afirmando que Obama é muçulmano! E, embora esteja claro que seja católico, evidências e fatos não significam nada para um número crescente de pessoas que estão procurando maneiras de negar a legitimidade do presidente e o pluralismo religioso.”

Apesar de a tolerância religiosa ser uma ideia popular entre líderes mundiais, promovida por acadêmicos e pelo governo americano, o padrão de exclusão continua fortemente atrelado a uma parte da cultura nacional e isso não deve mudar tão rápido, segundo Busto. “Uma dramática mudança geográfica, social, com relação a imigrantes e à aceitação do pluralismo religioso exige o reconhecimento e a revisão dos padrões de exclusão – e de uma longa história de racismo, intolerância religiosa e etnocentrismo”, conclui.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.