Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

A guerra dos pandas que rende um nó diplomático entre China e os EUA

Zoológico americano é acusado de negligência, reaquecendo discussões sobre bem-estar animal e querelas diplomáticas entre as duas nações

Por Diego Alejandro
Atualizado em 18 abr 2023, 15h36 - Publicado em 8 abr 2023, 08h00

“Le Le era um urso feliz que gostava de maçãs e de relaxar enquanto se cobria com bambu recém-­picado. Ele era o favorito de todos que o conheceram e trabalharam com ele ao longo dos anos.” Esse foi o retrato post mortem feito pelo Zoológico de Memphis, nos Estados Unidos, lar desse panda-gigante cedido por Pequim por quase vinte anos. No entanto, por mais agradável que ele soe, o estabelecimento tem recebido sérias acusações de maus-tratos contra o animal, morto em fevereiro, e sua parceira — episódio que também virou um nó diplomático entre chineses e americanos.

No ano passado, gravações internas das jaulas do zoológico viralizaram na internet ao mostrar Le Le e a companheira, Ya Ya, visivelmente angustiados e desnutridos em um recinto sujo — o macho parecia colapsar em um vídeo divulgado. Organizações de proteção animal questionaram o estabelecimento, que, em resposta, afirmou que os pandas “estavam apenas sendo bobos” e agindo “dramaticamente”. A explicação não convenceu e a pressão se tornou insustentável, motivando uma campanha para repatriar os animais, que recebeu adesão de artistas como a cantora Billie Eilish.

Na semana de Natal de 2022, o Memphis Zoo anunciou que Ya Ya e Le Le retornariam à China, pois estavam emprestados até abril do ano seguinte e não haveria diálogo para uma possível renovação. Em fevereiro, contudo, o macho foi encontrado morto, prestes a completar 25 anos, vítima de ataque cardíaco, segundo a autópsia. O zoológico disse que ele havia morrido tranquilamente e ultrapassado a expectativa de vida da espécie na natureza, que é de dez anos, em média. Só omitiu que, em cativeiro, pandas podem viver mais de três décadas — a mãe de Le Le faleceu na China aos 38 anos.

CAMPANHA - Outdoors pela China e posts no TikTok: clamor para resgatar a fêmea do zoológico americano
CAMPANHA - Outdoors pela China e posts no TikTok: clamor para resgatar a fêmea do zoológico americano (Reprodução/Twitter)

O clima de expectativa inicial se tornou fúnebre, e todos os olhos se voltaram para Ya Ya, que, sem o companheiro, apresentou sinais de depressão, queda de pelos e problemas dentários. Com o cerco midiático montado, o evento repercutiu na atmosfera de guerra fria entre as superpotências envolvidas. Afinal, o panda, um símbolo chinês, teria sido maltratado por americanos. Uma nova campanha on-line foi lançada no país asiático para trazer Ya Ya de volta para casa. Fotos gigantes do urso com aparência doente estampam outdoors e posts nas redes sociais. Montou-se uma comissão especial, encabeçada pela Associação Chinesa de Parques Zoológicos, para realizar avaliações de saúde em Ya Ya e garantir que ela esteja em condições de seguir viagem. Em meio à crise, diplomatas estacionados no Ocidente, que chegaram a atiçar a raiva nacionalista em outros momentos, visitaram o Memphis Zoo e “confirmaram que os pandas foram bem cuidados”, colocando um pouco de panos quentes no imbróglio. Procuradas por VEJA, entidades como a World Wide Fund for Nature (WWF) — cujo logo traz um panda — e a International Fund for Animal Welfare (IFAW) preferiram não comentar o assunto.

Ya Ya virou o panda-gigante mais vigiado da história e embarca nesta sexta-feira, 7, para sua terra natal, onde ainda não se sabe se vai reencontrar o público tão cedo. Ela, Le Le e centenas de outros de sua espécie fizeram parte do que ficou conhecido como “Diplomacia do Panda”, prática chinesa de enviar esses animais a outras nações para reforçar seus laços e sua imagem no exterior. A estratégia tem origem milenar, mas foi resgatada por Mao Tsé-tung no século XX e, desde então, virou um recurso propagandístico do regime. Hoje, 26 zoológicos em dezoito países hospedam pandas, e personalidades costumam posar ao lado deles para estreitar contatos ou firmar contratos com o governo chinês. Foi nesse contexto que o Jardim Zoológico do Rio quase recebeu um casal em 2014 para celebrar a Olimpíada que estava por vir. Por pressão popular, desistiu da ideia de receber um animal totalmente alheio ao clima carioca. Outro fator que pode ter pesado é financeiro: países que recebem os ursos pagam até 1 milhão de dólares por ano pela cessão do animal. Exemplo de sucesso na conservação ambiental e tesouro cultural, o panda virou também um trunfo diplomático. E a esperada volta de Ya Ya, apesar do destino do seu parceiro, pode evitar mais turbulências na relação entre EUA e China.

Da extinção à preservação

CATIVEIRO - Reprodução artificial: tática para repovoar
CATIVEIRO - Reprodução artificial: tática para repovoar (He Haiyang/VCG/Getty Images)

Os pandas são considerados um exemplo de sucesso na proteção e no repovoamento de uma espécie. Antes classificados como “ameaçados de extinção”, em 2016 passaram a ser rotulados como “vulneráveis” pela União Internacional para a Conservação da Natureza. E a resposta para a mudança passa por anos de pesquisas e uso de técnicas de reprodução em cativeiro e pela principal fonte de alimentação desses bichos, o bambu. O habitat natural dos pandas englobava todo o sul e o leste da China, mas, diante da expansão urbana, ele ficou limitado às poucas áreas que mantiveram matas de bambu. A solução do governo foi reflorestar esses territórios e treinar pessoas para resguardarem a região. Assim como investir na criação de ursos em cativeiro. Estima-se que hoje existam mais de 1 800 animais em liberdade e 673 em centros especiais, zoológicos e parques ao redor do mundo — um aumento de quase cinco vezes na população nos últimos vinte anos.

Publicado em VEJA de 12 de abril de 2023, edição nº 2836

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.