Assim como os vinhos, os queijos artesanais têm uma assinatura regional que os tornam únicos. Os produzidos na Serra da Canastra, em Minas Gerais, têm sabor forte, levemente picante e ácido. Isso se deve a uma série de fatores. O pasto que alimenta a vaca, por exemplo, é determinante para o teor de proteína e gordura do leite. Por sua vez, a umidade do ar mais baixa da região ajuda a formar a casca levemente dura e amarelada. Já as bactérias e leveduras do ambiente são responsáveis pelo gosto denso e encorpado. Em conjunto, esses elementos constituem o chamado terroir, palavra francesa que define o microambiente no qual são produzidos determinados alimentos. Nos últimos cinco anos, a indústria queijeira no Brasil — e a mineira em especial — evoluiu tanto que o trabalho dos produtores vem sendo reconhecido no exterior. Em meados de setembro, o país foi premiado com 57 medalhas no Mondial du Fromage et des Produits Laitiers, concurso mundial de queijos e laticínios na cidade de Tours, na França.
O inesperado desempenho brasileiro faz lembrar, guardadas as devidas proporções, o julgamento que transformou a maneira como o vinho é visto hoje no mundo. Em 1976, também na França — mas dessa vez em Paris —, um concurso de degustação às cegas teve como vencedores vinhos californianos, que superaram os até então imbatíveis franceses. O evento fez história por revelar que havia qualidade para além do sagrado campo francês. No caso dos queijos, o impacto da ótima performance do Brasil não será tão marcante, mas o resultado revela de maneira inequívoca que há excelência fora do tradicional circuito França-Suíça.
O feito é mais admirável ainda quando se tem a dimensão do certame francês, que está na quinta edição e ocorre a cada dois anos — o próximo será em 2023. Participaram 900 queijos de 46 países. Produtores de Minas Gerais, São Paulo, Pará, Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná concorreram às 331 medalhas oferecidas com 183 confecções diferentes. As conquistas brasileiras responderam por 20% dos prêmios, com cinco superouros, onze ouros, 24 pratas e dezessete bronzes.
No quadro geral, a representação nacional ficou atrás apenas da França. Só os mineiros, com sete representantes, amealharam quarenta premiações, o que atesta um evidente predomínio do estado. “Eles estão há mais tempo desenvolvendo a cultura queijeira”, diz a empresária Flavia Rogoski, diretora da SerTãoBras, associação de pequenos produtores rurais que fazem queijos artesanais. São Paulo também vem se desenvolvendo no setor queijeiro. Prova disso é que seis produtores paulistas levaram quinze medalhas no concurso. Entre eles está Vanessa Alcólea, sócia da Pardinho Artesanal, que faturou o cobiçado superouro com o queijo Mandala, feito a partir do leite de vacas das raças Gir e Jersey.
Organizado pela Guilde Internationale des Fromagers, associação que congrega produtores de queijo de vários países, o Mondial du Fromage et des Produits Laitiers de Tours promove, além do concurso, palestras e encontros de profissionais do setor. Os queijos brasileiros passaram da etapa inicial e acabaram sendo premiados porque também foram bem avaliados por seus pares internacionais. “A premiação joga luz em nossa atividade e faz com que o mercado valorize o produto”, reforça Flavia Rogoski. “Como consequência, acaba se desenvolvendo não só quem foi premiado, mas a cadeia produtiva e as regiões queijeiras.” Mais do que um reconhecimento, as medalhas são um empurrão para uma parte da indústria que está criando sua identidade. Nesse contexto, seria apropriado estabelecer um genuíno terroir brasileiro. Se os franceses podem com os seus vinhos, nós também podemos com os queijos.
Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2021, edição nº 2758