O consumo de produtos de qualidade elevada é uma tendência que tem provocado mudanças em diversos setores. No ramo de cafés, as vendas de grãos especiais crescem ao ritmo de 20% ao ano, muito acima do segmento tradicional, e novas frentes de negócios como as cápsulas expressas fizeram surgir um mercado bilionário. Na área de bebidas, as cervejas artesanais ganharam fãs em diversos países, inclusive no Brasil, fisgando um público que não se importa em pagar mais para degustar sabores diferentes. Mais recentemente, a gastronomia experimentou fenômeno parecido. De cinco anos para cá, as carnes premium começaram a ocupar as gôndolas dos supermercados e, embora a sua produção seja relativamente recente, elas já respondem por 10% de toda a demanda nacional. Pois o sucesso de itens sofisticados acaba de chegar a um patamar surpreendente. Nos Estados Unidos, o quilo da carne Ozaki, uma variedade superpremium da já conhecida e exclusiva wagyu, custa 1 600 dólares, ou aproximadamente 9 000 reais. Trata-se, de longe, da peça mais cara do mundo.
Os especialistas afirmam que, em um churrasco bem servido, deve-se considerar a média de consumo de meio quilo de carne por pessoa. Para uma reunião com dez amigos, portanto, são necessários 5 quilos, ou 45 000 reais em Ozaki. É muito mais do que uma família gastaria para jantar em um restaurante estrelado de Nova York (e isso pedindo vinhos e pratos caros). O que justifica esse valor? Para começo de conversa, a Ozaki é, de fato, exclusiva — mesmo. Além de ser uma versão mais nobre da wagyu, a raça de gado japonesa que mudou os parâmetros de qualidade nos últimos anos, seu sistema de produção é bastante rigoroso. O bicho fica em um rancho na pequena cidade de Miyazaki, no Japão, e são mantidas apenas 1 600 cabeças. Segundo os proprietários da fazenda, isso permite o controle obsessivo do rebanho, eliminando o risco de doenças, eventuais perdas de peso ou qualquer outro problema.
A alimentação é mais um aspecto que faz a diferença. Todos os animais comem ração 100% natural, composta de treze tipos de grãos, como cevada, soja e trigo. A receita levou vinte anos para ser aperfeiçoada e é preparada do zero todos os dias. Além disso, dizem os fazendeiros, os bois são criados em um ambiente sem stress, alimentados em horários prefixados e desfrutam de boas noites de sono. Os animais também não recebem esteroides ou antibióticos, comuns na produção em larga escala de bovinos.
A invenção do churrasco mais caro do mundo é obra do japonês Muneharu Ozaki, que assumiu o rancho do pai na década de 80, aos 24 anos. Antes, Ozaki passou dois anos em uma fazenda de Washington, período que combinou com o estudo de agropecuária na Universidade de Nebraska. De volta à terra natal, ele resolveu pôr em prática seu sonho. No início, introduziu seu inovador sistema na criação de cem cabeças de gado, e logo pôde notar que o sabor da carne Ozaki era realmente especial. Com o tempo, a fazenda foi ampliada, até alcançar a configuração atual. Hoje em dia, cortes da Ozaki são vendidos em quantidades modestas em 32 países, como Estados Unidos, Arábia Saudita, Austrália e Singapura, sempre acima dos 1 500 dólares por quilo.
A busca por carnes sofisticadas é uma tendência global. Antes da crise do novo coronavírus, o segmento de alimentos premium crescia três vezes mais rapidamente do que o mercado geral de comida, liderado sobretudo por Estados Unidos e China. Em alguns lugares, a pandemia até reforçou o movimento. É o caso do Brasil. Segundo dados da Marfrig, um dos maiores frigoríficos do país, as vendas de cortes premium cresceram 30% em 2020 — em plena crise, ressalte-se. “Se apresentamos um produto diferente que conquista o consumidor, ele dificilmente volta atrás”, diz Daniel Lee, primeiro brasileiro a se tornar juiz da Kansas City Barbecue Society (KCBS), maior entidade internacional de churrasco, e reconhecido como um dos principais pitmasters (mestre-churrasqueiro) do mundo. “Esse é um processo irreversível. O paladar não regride.”
Não à toa, há no país inúmeras butiques de carne gourmet, com peças importadas ou produzidas internamente. No Brasil, a mais cara é justamente a da raça wagyu, cuja picanha costuma sair por 500 reais o quilo. As grandes empresas estão atentas à nova realidade gastronômica. Recentemente, o Grupo Pão de Açúcar e a Friboi, uma das maiores produtoras de proteína do país, assinaram parceria para explorar o mercado de cortes especiais, criando espaços exclusivos para vender as chamadas carnes dry aged, de textura ultramacia. A carne está mais forte do que nunca. Fortíssima.
Publicado em VEJA de 12 de maio de 2021, edição nº 2737