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Estrelas à mesa de casa: prestigiados restaurantes se rendem ao delivery

Nicho promissor não para de crescer e trazer desafios a estabelecimentos em metrópoles por toda a parte, incluindo as brasileiras

Por Duda Monteiro de Barros e Flávio Monteiro
7 dez 2025, 08h00 •
  • Há até outro dia, a simples sugestão de um restaurante estrelado aderir ao delivery, prática que surgiu nos Estados Unidos em meio ao furor das pizzarias nos anos 1950, era vista com um misto de ceticismo e aversão, sobretudo por parte dos apreciadores dos ritos em torno da boa mesa. A experiência gastronômica, afinal, seria indissociável da toalha impecável, da cadência dos pratos e dos paparicos do maître. Veio então a pandemia, em 2020, e o mundo tal qual se conhecia teve seus pilares abalados. Em quarentena, a humanidade não pôde praticar o tão arraigado hábito de comer fora, e restaurantes onde se fazia fila para provar iguarias se viram impelidos a transpor uma barreira impensável: aderiram ao mercado da entrega. Assim começou uma silenciosa revolução no mundo da alta gastronomia, com pratos de receitas únicas viajando a bordo de motos para serem consumidos na sala de jantar.

    Muita gente gostou, e a mudança que parecia provisória se tornou permanente, fomentando um nicho promissor que não para de crescer e trazer desafios a estabelecimentos de prestígio em metrópoles por toda a parte, incluindo as brasileiras. Dados recém-saídos do forno dão a dimensão do avanço dos serviços em domicílio, revelando o vigor de um mercado que se sofistica. Nos Estados Unidos, onde o movimento está bem consolidado, restaurantes de todas as categorias relatam que 30% dos comensais preferem hoje degustar o menu sem sair de casa — o que não faz esvaziar o salão, uma vez que, também ali, a procura avança. No Brasil, 71% dos estabelecimentos, de lanchonetes a expoentes do circuito agraciado com as melhores críticas, já engrossam o pelotão dos que fazem entrega, e quase a metade da população pede comida toda semana. Pois o que poderia abalar o caixa acabou se provando uma chance de diversificar os negócios. “Também os bons restaurantes estão percebendo que o delivery leva o cliente para o salão e vice-versa. Uma pessoa pode querer sair para jantar um dia, mas no outro preferir a entrega em casa”, diz Fernando Blower, diretor-executivo da Associação Nacional de Restaurantes.

    À FRENTE DA ONDA - A estudante de direito Bárbara Santos, 20 anos, é egressa das jovens gerações que abraçaram o hábito de comer em casa, mas não deixaram de ir ao restaurante. “Gosto de sair, mas às vezes é mais prático ficar”, diz
    À FRENTE DA ONDA – A estudante de direito Bárbara Santos, 20 anos, é egressa das jovens gerações que abraçaram o hábito de comer em casa, mas não deixaram de ir ao restaurante. “Gosto de sair, mas às vezes é mais prático ficar”, diz (./Arquivo pessoal)

    Em cidades como Nova York, onde há elevada concentração de talentos ao fogão, quem vai à caça de uma experiência de sabor especial para entrega esbarra com mais de uma dezena de casas laureadas com as concorridas estrelas Michelin. Clica daqui, clica dali, e eis que aparece no seleto grupo o aclamado francês Jean Georges, dono de vários estabelecimentos, entre os quais um dois estrelas em Manhattan que se rendeu à onda do delivery. O encontro da culinária da França com influências orientais chega às casas na forma de uma lagosta assada com molho agridoce de pimenta negra e um foie gras com cobertura de geleia de figo — tudo bem embalado para manter a apresentação. Em Londres, também integrantes de um rol premiado se dobraram ao delivery, como o Benares, que conquistou sua estrelinha servindo receitas indianas para muito além do curry. Mesmo em Paris, onde os chefs barram inovações que ferem normas centenárias muito bem estabelecidas, veem-se exemplos de casas que figuram nas listas gourmets abraçando a entrega, como a Arnaud Nicolas, das melhores charcuterias da Cidade Luz, que criou uma jornada de três pratos pensada para a sala de jantar.

    Como o transporte de pratos tão delicados, que envolvem complexa montagem, não se equipara ao traslado de um hambúrguer com fritas, a migração de receitas finas vem exigindo adaptações em várias frentes. “Foi preciso aprender a lidar com atendimento virtual, sistemas e embalagens”, afirma Paulo Solmucci, presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes. A maioria dos estabelecimentos no país que aderem à entrega não pertence à turma da alta gastronomia, mas já há bons exemplos, como o italiano Gero, do grupo Fasano, com operações no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde pratos são elaborados só para entrega, já prevendo as sacudidas da viagem a bordo de uma moto, com cuidados especiais na preparação e logística própria para o delivery. No também italiano Grado, na Zona Sul carioca, um espaço fica reservado para a elaboração das requintadas quentinhas para viagem, e um imóvel ao lado foi alugado para os entregadores à espera das sacolas. “Era resistente ao delivery por achar que a comida em casa privaria a pessoa da experiência, mas uma coisa não anula a outra”, afirma a proprietária Lara Atamian.

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    QUALIDADE - Pratos do Gero feitos para viagem: pensados para resistir ao traslado na moto
    QUALIDADE - Pratos do Gero feitos para viagem: pensados para resistir ao traslado na moto (Gero Fasano/.)

    Uma das preocupações capitais do pessoal à frente das boas mesas é achar estratégias para conduzir a comida ao destino final sem que esfrie, algo que depende de sistemas bem azeitados, capazes de reduzir ao máximo o intervalo entre o prato pronto e seu embarque, e lacres eficientes. Mesmo com toda a engenhosidade humana, há quem não engula o movimento, evocando a importância do restaurante como instituição. Tal como tantos outros adventos, este deslanchou na Revolução Francesa, quando chefs disputados à tapa pela nobreza perderam o emprego e abriram casas onde o ideário da época fervilhava junto aos caldos nas panelas. Quase dois séculos depois, o surgimento das redes de fast food desaguou no delivery, ambos nos Estados Unidos, daí os termos em inglês. No Brasil, o hábito de pedir comida se popularizou a partir da década de 1980 e se expande — tanto que recém começaram a atuar por aqui as chinesas Keeta e 99Food, concorrentes do iFood.

    Segundo projeções, até 2030 as entregas responderão por metade do volume da comida produzida globalmente em restaurantes, tendência puxada pelos jovens. A estudante de direito Bárbara Santos, 20 anos, virou consumidora contumaz de deliveries na pandemia. “Ainda saio para comer fora, mas muitas vezes é mais cômodo pedir em casa”, pondera. Embora mantenha as duas vias abertas, uma fatia expressiva da humanidade prefere mesmo manusear bons talheres e observar o vaivém das bandejas — como a aposentada Raquel Brandão, 75, apreciadora de misturas e temperos. “Gosto mais do modo presencial”, diz. Os ciosos da cultura do restaurante lembram que, desde os primórdios, eles extrapolaram sua função original de forrar o estômago para se tornar um animado espaço para socialização. “É um dos poucos ambientes em que hoje nos sentamos com pessoas que têm crenças e visões diferentes das nossas”, afirma a historiadora americana Rebecca Spang. Só isso já vale a visita.

    Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2025, edição nº 2973

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