“Eu queria provar essa bebida nova. Nós não fazemos outra coisa, não é? Olhar para as coisas e provar bebidas novas.” A frase, extraída do conto Colinas Como Elefantes Brancos, foi escrita por Ernest Hemingway, notório e inigualável apaixonado por doses etílicas. Se o autor fosse transportado para um bar do século XXI, talvez lhe fosse oferecido um drinque sem álcool. A reação, irônica ou irada, fica para a imaginação de cada um. O fato é que os mocktails, como foram apelidados os coquetéis não alcoólicos, ganham espaço nas cartas de pubs, baladas e restaurantes, e atraem o interesse do público mais jovem. Caíram no gosto da parcela fitness, que não abre mão do cuidado com a saúde. E, aos poucos, começam a vencer a resistência e a aversão — para espanto dos puristas inveterados.
No Brasil, o fenômeno vem na esteira da popularização da cerveja zero álcool (leia no quadro). Tanto ela como os drinques sem vodca, uísque, cachaça e companhia registraram aumento nas buscas pelo Google, reflexo da atenção que abocanham. Segundo a plataforma Pinterest Predicts, a procura por termos como “bar de mocktails” cresceu 75% e por expressões como “bebidas sem álcool sofisticadas” decolaram 220%. Hoje, qualquer cardápio que se preze deve contar com esse tipo de drinque. As vendas crescem. De acordo com o estudo MenuTrends, da Datassential, consultoria especializada em alimentos e bebidas, a presença dos drinques sem álcool nos menus ao redor do mundo disparou 223% nos últimos quatro anos. Entre os responsáveis por esse boom estão principalmente os representantes da geração Z — os nascidos entre 1995 e 2010, que têm curtido menos o álcool. “Essas opções chegam para atender jovens que têm hábitos saudáveis e praticam esportes, mas que, ao mesmo tempo, não querem deixar de aproveitar os eventos e experimentar novos sabores”, afirma a nutricionista Cynthia Antonaccio, líder da consultoria Equilibrium Latam.
Há, naturalmente, em tempo de redes sociais, do ver e curtir, o fascínio pelo copo bonito e colorido e, portanto, instagramável (ah, se Hemingway soubesse disso). “Usamos muitas frutas porque essa geração prefere bebidas sem adição de açúcar e com uma bela apresentação para poder postar”, admite Wanderson Lima, do The View Bar, na capital paulista. Não por acaso, bombam no TikTok e afins: a hashtag #mocktail ultrapassa 1,3 bilhão de visualizações.
Convém, contudo, não desdenhar da tendência, para além do aspecto estético. A ideia é não deixar nada a desejar aos coquetéis clássicos — pelo menos em matéria de aparência e sabor. “Lá atrás, quando se falava em drinques sem álcool, a gente olhava com preconceito”, diz Marcelo Serrano, bartender do restaurante Bambu, em São Paulo, conhecido por ser o criador de uma edição especial de moscow mule com espuma de gengibre. “Mas agora se sabe que é possível fazer ótimas criações, com combinações inusitadas.” E dá-lhe frutas, especiarias, chás, tônica… O céu parece ser o limite, em um festival de ingredientes e receitas. “Sem o álcool, a bebida fica mais neutra, e podemos trabalhar mais o aroma, o sabor e a apresentação”, diz Serrano.
Os jovens, engajados e conscientes — e, claro, atentos aos dissabores das ressacas intermináveis e das blitze policiais da madrugada —, não veem graça nenhuma em louvar posturas como as do mítico chanceler britânico Winston Churchill (1874-1965) e uma de suas tiradas impagáveis, na defesa do maior de seus prazeres, além do permanente sarcasmo: “Eu já tirei mais do álcool do que o álcool tirou de mim”. Não é mais assim. Como toda novidade incomoda, há quem apenas vire o rosto para a pequena revolução. Mas ela é interessante demais para ser rejeitada. Aos que torcem o nariz, cabe lembrar que a palavra mocktail tem raiz na palavra em inglês mock, que significa “zombar”. A aventura de consumo, no entanto, ficou séria. Tim-tim.
Sem tanta moderação
O consumo de cerveja zero álcool vem crescendo no Brasil e lá fora. No mercado global, já corresponde a cerca de 3% das vendas, superando 6,5 bilhões de litros comercializados em 2022, segundo o Euromonitor. Até o fim deste ano, dos 16 bilhões de litros de cerveja que o Brasil deve produzir, 480 milhões de litros são das versões sem álcool. Isso representa um crescimento de 24% nesse mercado em relação a 2021.
Não à toa, marcas como Heineken e Brahma investem pesado na categoria. Hoje, além das bebidas zero, o consumidor encontra nas gôndolas rótulos low alcohol, cujo teor alcoólico não supera 4%. A melhora no sabor, fruto de alta tecnologia, foi fator decisivo para a maior aceitação do segmento, que ainda aposta em versões low carb (com menos carboidrato) e ingredientes excêntricos, como frutas nativas e especiarias.
Publicado em VEJA de 27 de outubro de 2023, edição nº 2865