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Interestelar

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Por Isabela Boscov Atualizado em 11 jan 2017, 16h00 - Publicado em 5 nov 2014, 15h10
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  • Em outro mundo

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    Com o imperfeito mas sempre assombroso e por vezes magnífico Interestelar, Christopher Nolan, da trilogia Cavaleiro das Trevas, se mantém firme na liderança do time de diretores para os quais o cinema tem de sempre tentar chegar mais longe

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    Não é fantasia: já aconteceu antes. Nos anos 1930, no coração rural dos Estados Unidos, depois de algumas décadas de cultivo intenso de grãos no que antes haviam sido vastas pradarias, a destruição da vegetação original cobrou seu preço: sem as raízes tenazes das gramíneas para segurá-la, a camada superior do solo se desprendeu e virou pó, literalmente. Gigantescas tempestades de poeira levantavam-se e varriam áreas de milhares de quilômetros, deixando atrás de si fome, miséria e desânimo. E se toda a Terra estivesse assim comprometida?, imagina Interestelar. Então em pouco tempo a presença humana no planeta se tornaria inviável. Como espécie, estaríamos condenados à extinção sumária. A não ser que nos radicássemos em outro planeta de outro sistema solar ou mesmo de outra galáxia. Que encontrássemos, enfim, um meio de atravessar distâncias incalculáveis até um novo abrigo. Um meio como, por exemplo, um tipo de buraco negro chamado buraco-minhoca, ou Ponte de Einstein-Rosen – um “furo” no universo que ligaria dois pontos linearmente distantes entre si, permitindo viajar em velocidade superior à da luz. E não, isso também não é fantasia: é uma hipótese científica que funciona muito bem no papel e é postulada, entre outros, por Kip Thorne, uma das maiores autoridades na área da física gravitacional e colaborador de Interestelar. É o alter ego de Thorne, vivido por Michael Caine, quem busca se aproveitar de um buraco negro surgido nas proximidades de Saturno para enviar a humanidade à sua salvação. Sua própria filha, Amelia (Anne Hathaway), e Cooper (Matthew McConaughey), um ex-piloto da Nasa, viajarão pelo buraco e decidirão qual de três planetas na outra ponta do atalho melhor serve à vida. No filme, como na ciência que se tem hoje, não existe maneira de saber como seria essa travessia, e o que haveria do lado de lá. Amelia está disposta a enfrentar a jornada por seu pai; e Cooper, fazendeiro descontente e viúvo com um menino de 15 anos e uma menina de 10 de quem cuidar, o faz pelo futuro de seus filhos, e porque é incapaz de resistir ao apelo da aventura e do desconhecido.

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    Um dos mais ambiciosos cineastas em atividade hoje, o anglo-americano Christopher Nolan é ele próprio um desbravador: com a trilogia Cavaleiro das Trevas, reimaginou a trajetória de Batman em escala operística e rompeu uma barreira fenomenológica, criando filmes de perspectiva profundamente niilista que fizeram bilheteria bilionária, e espetáculos colossais ancorados no íntimo de um herói que é um reflexo freudiano dos vilões que combate. Interestelar é todo ele também uma fusão de opostos – começa num mundo de simplicidade agrícola e dele se descola abruptamente para uma viagem no limite teórico do conhecimento; percorre planetas recobertos de gelo, ou nos quais ondas da altura de cordilheiras correm sobre um mar sem fim, impulsionado apenas pela ligação entre Cooper e sua filha, Murph (Mackenzie Foy na infância e depois Jessica Chastain, ambas excelentes); dobra o tempo, o espaço e a gravidade na tentativa de atender ao mais primordial impulso da vida, o de persistir e continuar. Depois de assombrar a plateia com o estrondo de Cavaleiro das Trevas, Nolan propõe a ela agora um ritmo introspectivo e meditativo.

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    Nem sempre a conciliação entre esses extremos é pacífica. Há muita ciência difícil e altamente contraintuitiva que explicar, com o resultado de que várias das proposições soam fantasiosas embora não o sejam – e de que os atores que têm de dar voz a elas, como Anne Hathaway, parecem sobrecarregados e constantemente fora de registro. Quanto mais se chega perto do clímax, também, mais certas cenas na Terra ficam supérfluas e reiterativas, ou simplesmente sentimentais demais. Nos dois extremos tão afastados que quer unir, porém, o filme se realiza plenamente: na sua inquietante viagem pelo universo e na conexão vívida, intensa, entre McConaughey e Mackenzie Foy. Na inspiração e na ambição, Interestelar é descendente direto de 2001 – Uma Odisseia no Espaço. E, ainda que o filme de Stanley Kubrick permaneça o horizonte inatingível, Nolan, com seu imperfeito mas muitas vezes magnífico Interestelar, pelo menos continua a buscá-lo. A seguir, o próprio diretor explica a VEJA a gênese de seu projeto:

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    Christopher Nolan ()

    DE VOLTA AO PONTO DE PARTIDA

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    “O filme lida com um futuro em que a agricultura na Terra está reduzida a um único cultivo, o do milho, e mesmo este está ameaçado, em razão das enormes tempestades de poeira que varrem a superfície. O apogeu humano aqui, enfim, está nos seus últimos dias. Revertemos a uma sociedade agrária, em que a subsistência é a primeira e a maior preocupação. Em certos sentidos, é uma sociedade agradável essa, de gente da terra. Mas mais e mais se pressente que essa situação não é sustentável e vai se deteriorar até que não mais possa haver vida humana no planeta.”

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    A CATÁSTROFE AMBIENTAL

    “Eu tinha na mente as imagens do Meio-Oeste americano à época da Depressão, quando se testemunhou uma das maiores catástrofes ambientais causadas pela ação humana de toda a história. Fui muito influenciado por The Dust Bowl, o documentário de Ken Burns, que contém imagens atordoantes da devastação. Outra referência foi a chamada fome da batata dos anos 1840 e 1850, quando os irlandeses, dependentes dessa colheita para sua sobrevivência, morreram ou tiveram de emigrar aos milhares ao ver suas plantações atingidas por uma praga que as dizimou. Há vários momentos na história em que comunidades se viram em situação de extrema vulnerabilidade em relação ao ambiente, e é esse o quadro que pretendo evocar.”

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    FUTURO X PRESENTE

    “Na ficção científica, a concepção e a execução da tecnologia são cruciais para que a plateia acredite no que está vendo e embarque na história. Por isso, desde o início rejeitei a alternativa de imaginar um design do futuro: se essa é uma sociedade que teve de regredir até suas raízes agrárias, é de supor que a ciência e a tecnologia não tenham feito grandes avanços; assim, tudo o que se vê de equipamento no filme é o que seríamos capazes de construir hoje, com total obediência à função que esse equipamento deveria cumprir.”

    UM MUNDO PALPÁVEL

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    “É vital fazer a plateia suspender sua descrença. Meu instinto é aderir à realidade: imagens feitas e calcadas no mundo físico real, com as quais o espectador tenha relação imediata e direta. Por isso, quase todos os elementos dos meus sets são práticos – são construídos de forma operacional e podem ser usados e manipulados pelos atores. O interior da nave em que Matthew McConaughey e Anne Hathaway viajam foi feito tal e qual, e as paisagens que eles veem pelas escotilhas não são um truque digital: eram o que eles viam enquanto rodávamos as cenas. Quero que a plateia sinta que pode tocar e até cheirar os ambientes. Não só a plateia, na verdade. Para os atores, esse recurso torna o trabalho muito mais fácil e convincente do que ser jogado num estúdio vazio forrado de verde. E também para mim é ao mesmo tempo libertador e inspirador dirigir dentro de um mundo concreto e palpável; é num set assim que minha imaginação se solta.”

    O FATOR McCONAUGHEY

    “Cooper, o protagonista de Interestelar, tinha de ser um desses espíritos independentes do Oeste como o Chuck Yeager que Sam Shepard interpretou em Os Eleitos. Quem escolher? Bom, por acaso vi Amor Bandido, em que Matthew McConaughey se saiu com uma interpretação completamente diferente de qualquer coisa que eu esperaria dele. Ver um astro de cinema fazer algo que nunca fez antes tem o efeito de abrir seus olhos para a sedução dele e fazer com que você o redescubra. McConaughey, nesta excelente fase de sua carreira, tem uma austeridade dramática que não se suspeitava nele, e se encaixou à perfeição em Cooper.”

    A IMAGEM MAIS FASCINANTE

    “Não existe nada mais interessante no mundo do que o rosto humano. Quando você se torna cineasta porque seu interesse é visual e cinemático, mais do que dramático – e foi esse o meu caso –, você quer ir para uma locação e filmar imagens impactantes. Se está chovendo, ou escureceu e você perdeu a hora de rodar uma cena, pensa: mas o que então vou filmar? Pouco a pouco, descobri que estava menosprezando o elemento mais intrigante, fascinante e essencial de todos que pode haver em um filme: o rosto dos meus atores. É nos atores, nas pessoas, que um filme vive ou morre. Criar outros planetas, filmar em Imax, imaginar uma travessia do universo – tudo isso só faz sentido se girar em torno do elemento humano.”

    Isabela Boscov
    Publicado originalmente na revista VEJA no dia 05/11/2014
    Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
    © Abril Comunicações S.A., 2014

    Trailer


    INTERESTELAR
    (Interstellar)
    Estados Unidos/Inglaterra, 2014
    Direção: Christopher Nolan
    Com Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Jessica Chastain, Michael Caine, Mackenzie Foy, John Lithgow, Timothée Chalamet, David Oyelowo, Bill Irwin, Wes bentley, Matt Damon

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