CBF contrata Diniz e reforça falta de profissionalismo do futebol do país
O projeto contém muitos problemas. Entre eles, está a esperança de que o técnico vá vestir dois chapéus, o do Fluminense e o da seleção, sem atritos
Foram exatos 207 dias de vacância até que, na terça-feira 4, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), enfim, anunciou a contratação de Fernando Diniz como técnico da seleção brasileira de futebol, colocando ponto-final a uma indefinição que se arrastava desde 9 de dezembro de 2022, quando Neymar e companhia foram eliminados da Copa do Mundo do Catar nas quartas de final. O novo comandante assinou por um ano e trabalhará em regime de compartilhamento com o seu time atual, o Fluminense. Só atuará à frente do escrete nacional nas datas Fifa, ocasiões nas quais os clubes são obrigados a ceder seus atletas para jogos oficiais da entidade. A estratégia já rendeu muita controvérsia no meio esportivo, em parte porque está carregada de conflitos de interesses e promessas que podem não se concretizar.
Desde que Tite comunicou sua saída da seleção, logo após a derrota nos pênaltis do Brasil para a Croácia na Copa, o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, transformou a vontade manifesta de ter um estrangeiro para a posição em uma obsessão (tomara que funcione). O seu objeto de desejo, ele nunca escondeu, é Carlo Ancelotti, atualmente no Real Madrid. Rodrigues disse anteriormente que o italiano vestiria o agasalho da seleção canarinho a partir da Copa América, que ocorre entre junho e julho do ano que vem, nos Estados Unidos. No entanto, os detalhes do contrato e a data de início ainda não foram acertados, e não há um sinal concreto de que o acordo acontecerá.
Com a insistência do técnico em honrar seu combinado com o clube merengue até 2024, restou a Rodrigues recorrer a uma operação tapa-buraco. Diniz substitui o interino Ramon Menezes, titular da equipe sub-20, que comandou o time principal em três amistosos. Foram uma vitória e duas derrotas. Na última partida, os brasileiros sofreram goleada do Senegal por 4 a 2. Em nota, a CBF disse que as negociações para trazer o técnico do Fluminense foram “silenciosas e cuidadosas” para não atrapalhar sua atuação no clube carioca. Diniz, como sabem os amantes do velho esporte bretão, é conhecido por uma estratégia ofensiva, que prevê posse de bola e construção de jogo rápida desde a defesa. Em passagens anteriores pelo São Paulo e pelo Santos, obteve sucesso no início de seus trabalhos, mas fracassou em manter as equipes unidas em torno de seu projeto.
Durante sua apresentação oficial, na quarta-feira 5, no Rio, o presidente da CBF evitou chamar Diniz de interino. Preferiu dizer que o mineiro tem um estilo de jogo parecido com o de Ancelotti e que fará uma transição para a chegada do italiano. Há controvérsias. “O Diniz joga de um jeito e o Ancelotti de outro”, rebate o ex-jogador e comentarista Walter Casagrande, em entrevista a VEJA. “Não vai fazer bem para a seleção brasileira.” A primeira convocação está prevista para agosto e a estreia do novo técnico à beira do campo está marcada para setembro, quando acontecem os dois primeiros jogos da seleção pelas Eliminatórias do Mundial de 2026. No dia 4, ele comanda o time contra a Bolívia, em local a definir, e no dia 12, enfrenta o Peru, em Lima.
Ousado, o projeto engendrado pela CBF contém muitos problemas. Entre eles, está a esperança de que Diniz vá vestir dois chapéus, o do Fluminense e o da seleção, sem causar desconfiança dos seus jogadores, de sua própria torcida e também de outros times. De tradição imediatista, o futebol brasileiro sofre com a baixa taxa de permanência dos treinadores nos clubes. “Hoje, esses profissionais exercem muitas funções dentro dessas estruturas”, lembrou Zinho, ex-jogador da seleção e comentarista da ESPN. “Tenho dúvidas se o acúmulo de funções não sobrecarrega e atrapalha o trabalho em ambos os lugares.” Não se trata de jogar pedras em um técnico emergente, embora acumule resultados modestos pelos clubes por onde passou. O problema é recorrer a soluções improvisadas, que no final só reforçam a falta de profissionalismo que impregna o futebol brasileiro.
Colaboraram Luiz Paulo Souza e Marília Monitchele
Publicado em VEJA de 12 de julho de 2023, edição nº 2849