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Anjo do Santo, Pracidelli recorda aposta na ‘bomba-relógio’ Marcos

Por Da Redação
4 jan 2012, 18h30

O ex-goleiro Marcos virou um santo para a torcida do Palmeiras. Mas, mesmo com sua divindade perante os palmeirenses, o ídolo contou durante quase toda a sua carreira com um chefe e amigo, Carlos Pracidelli. Presente nos piores e melhores momentos da carreira do ex-capitão, o preparador de goleiros foi o anjo que acompanhou o camisa 12 no Verdão e também na Seleção Brasileira.

Nesta entrevista exclusiva à Gazeta Esportiva.Net, Pracidelli relembra dos detalhes de quando aprovou Marcos no teste no Palmeiras e também da decisão de colocá-lo em campo na Copa Libertadores, quando o via como uma ‘bomba-relógio’ pronta para explodir.

Com trabalhos prestados ao Palmeiras desde 1992, com apenas alguns períodos de ausência (acompanhou Felipão no Chelsea, por exemplo), Pracidelli também avisa que a torcida foi a responsável por manter a motivação de Marcos depois da derrota para o Manchester United no Mundial Interclubes de 1999.

Gazeta Esportiva.Net: Como foi seu primeiro contato com o Marcos?

Pracidelli: O Marcos chegou aqui em junho de 1992 e eu era o responsável pelo departamento amador, na formação dos goleiros. Eu estava treinando no campo 3 (da Academia de Futebol), quando os diretores da base me chamaram e falaram que o Palmeiras receberia cinco jogadores do Lençoense. Um deles era goleiro, e pediram uma avaliação rápida. Foi assim que o Marcos chegou. Ele me chamou a atenção, pois tinha o biótipo excelente para goleiro, sendo alto e magro. Era até cabeludo (risos).GE.Net: Foi só o biótipo que chamou a atenção no primeiro teste?

Pracidelli: Ele era envergonhado e tinha o sonho de se tornar goleiro do Palmeiras, na tão famosa Academia. Ele já veio também com certa qualidade. Era um diamante bruto, que já tinha recebido no Lençoense algum trabalho de lapidação. Vi que aquela pedra bruta poderia se tornar lá na frente em um diamante da maior grandeza. E isso acabou acontecendo: ele se tornou realidade. Através de muito trabalho e dedicação, principalmente dele, tivemos o resultado que todos sabem.

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GE.Net: Ainda em 1992, ele participou de um jogo contra a Esportiva Guaratinguetá. Você se lembra daquele jogo?

Pracidelli: Naquela época, nós estávamos com problema, com Sérgio, Velloso e César. Naquela partida, um deles não tinha condições de ir para o jogo, e o Marcos acabou indo. Quando o Marcos chegou, a equipe de juniores não ganhava um título paulista havia muito tempo, 18 ou 19 anos. Naquele ano, não só o Marcos foi campeão paulista de juniores, como também teve uma sequência de trabalho e assimilou com rapidez, ultrapassando outros goleiros da época, virando titular da equipe de juniores. No final daquele ano, teve sua primeira convocação para a Seleção Brasileira de juniores.

GE.Net: Mas ele precisou aguardar até 1999 para se tornar titular absoluto…

Pracidelli: Ele foi aperfeiçoando tudo. Era um garoto. Quem teve a coragem de colocar o Marcos foi o Felipão. Naquela época, a Parmalat oferecia qualquer goleiro do mundo ao Felipão. Eu me lembro que, com a saída do Velloso por contusão, a Parmalat perguntou quem o Felipão queria, mas ele respondeu que já estava com o Marcos. O Felipão me chamou, falou que o Velloso estava machucado e que o Palmeiras estava disputando o maior título de sua história… E eu disse a ele que estávamos com uma bomba atômica pronta para explodir, que era o Marcos. Ele disse que pensava da mesma forma e teve muita coragem ao colocar o Marcos em uma Libertadores. Eu via um garoto com muita explosão e rapidez desde que chegou, e as defesas que ele fez nas penalidades aconteceram porque ele sempre foi um goleiro muito rápido, apesar da estatura.

GE.Net: E a bomba atômica explodiu justamente na Libertadores, em jogos contra o Corinthians?

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Pracidelli: Aquilo foi fundamental, o grande marco que fez com que o Palmeiras conseguisse o maior título de sua história. Mas já tínhamos passado por outras fases da Libertadores, com ele fazendo grandes partidas.GE.Net: Como foi mantê-lo na reserva por tanto tempo, lidando com a vontade dele de jogar?

Pracidelli: Tínhamos outros excelentes goleiros, como Sérgio e Velloso. O Palmeiras sempre manteve uma regularidade no gol. Por isso, fica difícil que o goleiro saia. O caso mais recente é o do Diego Cavalieri, um dos maiores goleiros que temos no Brasil, que foi vendido ao Liverpool, pois ele sabia que seria difícil jogar aqui. Além dele, temos Deola e Bruno. E estão vindo o Raphael, o Fábio, o Pegorari… É uma posição muito difícil.

GE.Net: No período da reserva, você percebeu o Marcos desanimado e com vontade de ir embora?

Pracidelli: Eu não deixo meu goleiro perder a motivação. Aqui temos uma família desde a base até os profissionais. Sempre houve um trabalho muito bem feito de integração com a base. Os resultados disso têm sido maravilhosos. Estou há 19 anos aqui e nunca gastamos dinheiro com goleiro. Ao contrário, o clube está ganhando, pois já vendeu o Diego, emprestou o Bruno, o Deola… Só pelo fato de o goleiro trabalhar aqui com a gente, a motivação é mantida. Quando um goleiro vai para o gol, todos os outros torcem para ele ir bem.

GE.Net: Em relação ao pênalti do Marcelinho, existe a história de que o Paulo Paixão estava atrás do gol e fez indicações de onde seria a batida, desconcentrando o jogador adversário. Isso existiu?

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Pracidelli: Isso não existiu. Naquela época, o Corinthians tinha passado algumas partidas através de pênaltis (nas oitavas de final, contra o Rosário Central). Como nós já tínhamos perdido a primeira partida para o Corinthians (por 4 a 3), precisávamos vencer a segunda, com possibilidade de ir para pênaltis. Por isso, pedi ajuda a uma amiga nossa, para que ela fizesse uma fita de vídeo com todas as penalidades que o Corinthians havia batido. No outro dia, ela me trouxe a fita com todas as batidas deles. Como estávamos concentrados, chamei o Marcos e o Sérgio para o meu quarto, onde eu tinha um aparelho de videocassete. Estudamos os pênaltis, para o caso de ir para esta decisão. No Morumbi cheio, dificilmente o batedor esperaria o goleiro se mover para escolher o outro canto. Cada batedor tem seu lado principal. Passamos a tarde toda estudando a fita.

GE.Net: Vocês combinaram para qual lado o Marcos deveria saltar em cada cobrança?

Pracidelli: Foi decidido entre nós três que, se a decisão fosse para os pênaltis, o Marcos olharia para nós, que faríamos o sinal. Ele nem precisaria pensar duas vezes. Era só ir para o canto que tínhamos preparado na relação. Saímos com esse propósito. Depois do gol maravilhoso do Galeano, de barriga, fomos para os pênaltis. Dos quatro primeiros batedores deles, dois não estavam em nossa lista. Mas os outros dois bateram no canto da fita, e o Marcão foi para o outro lado. O Sérgio e eu pensamos que aquilo não era possível. Falei: ‘P… que o pariu, Sergião…’. Chamei o Biro, nosso massagista e, com todo respeito à mãe do Marcos, falei para avisar o filho da p… para pular no canto que estudamos do Marcelinho, senão nós o arrebentaríamos depois. O Biro correu e falou com o Marcão. O Marcelinho foi para a bola, bateu, e o Marcos escolheu de imediato o canto da fita, fazendo a defesa. Foi aquela alegria, até que chegamos aos vestiários e o xingamos por não ter caído no canto certo nos outros pênaltis. Mas ele ainda tentou explicar: ‘Sabe o que é, Carlão? Eu acho que eles estavam sabendo que vi a fita e sabiam o canto. Por isso, tentei enganá-los’. Foi isso o que aconteceu. Se ele não tivesse pegado aquele último pênalti, nós o teríamos arrebentado (risos).

GE.Net: Você já citou a tradição do Palmeiras em formar goleiros e também a venda do Diego. Mas poderia ter vendido o Marcos também, para o Arsenal. O que se passou naquele momento?

Pracidelli: Este é o caráter do Marcos. Hoje em dia, há muita gente que diz por aí que ama o clube, mas, quando recebe um convite por um pouquinho a mais, muda de ideia. Inclusive, sofremos um pouquinho com isso recentemente no Palmeiras, mas tudo bem. O Marcos teve hombridade. Nós voltamos pentacampeões mundiais em 2002 e caímos para a segunda divisão. Foi quando apareceu a proposta do Arsenal, mas, desde o início, ele falou que não iria e que ficaria para levar o Palmeiras de novo para a divisão principal, porque era uma questão de honra para ele. Mas a pressão foi tão grande sobre o Marcos, que ele aceitou ir para a Inglaterra para conhecer e acabar com aquela onda. Só que ele já tinha falado que não ficaria lá. Ele passou uma semana, não aceitou a proposta do Arsenal e voltou para disputar a segunda divisão. Teve uma oferta milionária, mas não abandonou seu time no momento difícil. Ele ficou para recuperar o Palmeiras e foi considerado o melhor goleiro da Série B.

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GE.Net: Na época, surgiram várias versões sobre a negociação. Chegou a ser cogitado que o Marcos foi recusado nos exames médicos no Arsenal. O que você acha disso?

Pracidelli: Isso foi em 2003 e estamos agora em 2011… Se tivesse problemas, teria jogado até hoje? Quem falou isso não sabe o que diz. O Marcos não ficou lá pelo caráter que tem. Se tivesse algum tipo de problema, não teria jogado até 2011.

GE.Net: Quando voltou, o que ele falou sobre o Arsenal?

Pracidelli: Ele disse que o clube era maravilhoso, e tive a oportunidade de confirmar, porque conheci na época em que fiquei na Inglaterra. O Marcos foi, viu e recusou um convite com as cifras que foram oferecidas.GE.Net: Como você avalia o desempenho dele na Copa do Mundo? O fato de você e o Felipão estarem na Seleção pesou muito na escolha dele?

Pracidelli: O Marcos foi para a Seleção porque nós estávamos lá, pois até então só tinha ido a uma ou outra convocação. O titular antes era sempre o Dida. E não tenho nada contra o Dida e o Rogério, que eram outros dois goleiros fantásticos. Vai ser difícil de o Brasil ter goleiro com a mesma qualidade dos três. O Marcos foi titular por conta do nosso conhecimento. Não digo que os outros não cresceriam, mas já tínhamos trabalhado com o Marcos e sabíamos que, em momentos decisivos, ele faria uma Copa maravilhosa. E ele fez uma Copa fantástica, sem erros.

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GE.Net: Mas ele já admitiu que jogou a Copa com dores no punho. Como foi para ele lidar com isso?

Pracidelli: Ele teve uma adaptação, porque fez aquela cirurgia no punho esquerdo, que foi perfeita. Ele ficou com certa limitação, mas nada que o impedisse de fazer as defesas. Os trabalhos no dia a dia foram feitos para que isso não prejudicasse.

GE.Net: O Marcos tem o temperamento explosivo quando sai de campo, reclamando do time em derrotas. Isso pode criar algumas inimizades. Você conversou com ele sobre esse assunto em algum momento?

Pracidelli: Já conversei bastante com ele. O Marcos é autêntico. Oxalá se todos fossem assim e dissessem a verdade para todo mundo ouvir, e não usassem os bastidores, como muita gente faz. O Marcos fala na cara, e não por trás. Todo mundo o respeita por isso. Se alguma pessoa não gostou e ficou chateada por isso, o Marcos não perdeu grande coisa.

GE.Net: Como o Marcos lidou com aquela falha no jogo contra o Manchester United, no Mundial Interclubes de 1999?

Pracidelli: Foi terrível, um desastre em nossa carreira. Se tivéssemos outra oportunidade de disputar um Mundial Interclubes, daríamos a vida para conquistar o título pelo Palmeiras. No lance do gol, infelizmente, nossa equipe toda falhou, inclusive o Marcos. Houve uma falha geral do sistema defensivo, que nos fez perder aquele título. Eu me lembro que foi uma viagem terrível e até hoje nos dá insônia pensar naquele momento triste. Mas o Marcos viu o carinho da torcida por ele. Em nossa chegada a Guarulhos, a torcida tomou o saguão do Aeroporto, o pegou no colo e o trouxe de volta. Se não fosse aquilo, não sei o que teria acontecido com a gente.

GE.Net: Se não fosse a torcida, ele não conseguiria se reerguer?

Pracidelli: Não só ele, nós todos não conseguiríamos. Eu me coloco com ele, porque foi muito triste, não dá para dizer o nosso sentimento. Mas, quando chegamos aqui, a torcida pegou o Marcos no colo e falou que ele era cria do clube. Aquilo fez com que o Marcos revivesse para o futebol. Mais tarde, mal sabíamos nós, Deus nos deu uma segunda chance de disputar o Mundial, representando o Palmeiras, mas pela Seleção. Em Brasília (na comemoração), todos estavam com a camisa da Seleção, mas o Marcos estava com a do Palmeiras (e Vampeta vestia a do Corinthians).

GE.Net: Você se lembra de como o Marcos mudou de camisa na comemoração em Brasília?

Pracidelli: A CBF queria que todos ficassem com a camisa dela, com o patrocinador. Mas o Marcos me falou que não queria nem saber e usaria a camisa do time do coração dele, o Palmeiras. Ele me disse que dedicaria o título mundial ao Palmeiras.

GE.Net: O Marcos é o melhor goleiro com quem você trabalhou?

Pracidelli: Com certeza, o Marcos é fantástico e eu o coloco entre os melhores do mundo.GE.Net: E ele foi o melhor da Copa de 2002?

Pracidelli: Tenho certeza que sim. Ele não cometeu um erro sequer. Nos momentos mais difíceis da Seleção, sempre esteve presente.

GE.Net: Qual foi o melhor jogo dele?

Pracidelli: Acho que foi contra a Bélgica, que foi um dos jogos mais difíceis que tivemos na Copa. Eu me lembro que o Brasil tomou um sufoco naquele jogo e o melhor jogador foi o Marcos, com defesas fantásticas. Foram tantos jogos na carreira dele… Além desse, teve também contra a Alemanha, na final. Pelo Palmeiras, um diante do River Plate, na Argentina (pela Libertadores de 1999), quando perdemos por 1 a 0, mas, no dia seguinte, as manchetes dos jornais deles eram ?o monstro do Monumental’, em referência ao Marcos, que fez defesas fantásticas. Se tivéssemos perdido por mais de 1 a 0, dificilmente teríamos conseguido reverter no Parque Antártica.

GE.Net: Em 19 anos de convivência, vocês brigaram alguma vez?

Pracidelli: Não, não. Tenho o Marcos como meu filho, assim como Diego, Deola, Bruno, Rafael, Fábio… Quando vejo alguma coisa errada, chamo no canto e puxo a orelha. Em alguns momentos, falei para o Marcos ir mais devagar, porque a vida não era daquela maneira. E ele sempre me ouviu. Faz parte também, não adianta eu só falar da questão do campo. Sempre tivemos uma relação de pai e filho.

GE.Net: Fora dos campos, o Marcos tem perfil para ser preparador de goleiros, dirigente ou treinador?

Pracidelli: Pelo que ele representa ao Palmeiras e ao Brasil, ele tem o perfil para trabalhar com o marketing dele e do clube. O nome dele é muito forte e importante.

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