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Historiador derruba mitos sobre personagens da Inconfidência Mineira

André Figueiredo Rodrigues se concentra em figuras históricas pouco exploradas e centra foco no delator de Tiradentes

Por Marília Monitchele Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 8 Maio 2024, 12h50 - Publicado em 29 abr 2024, 08h00

A Inconfidência Mineira, tema recorrente nas escolas, é comumente apresentada de forma simplificada. Essa narrativa, embora útil para a iniciação no assunto, esconde a complexa realidade histórica por trás dos eventos. Figuras como o mártir Tiradentes e o fazendeiro José Silvério dos Reis, frequentemente retratadas como heróis absolutos e traidores irremediáveis, respectivamente, eram indivíduos multifacetados, movidos por diferentes motivações e inseridos em um contexto de tensões e incertezas. Estudos recentes, no entanto, revelam nuances que desafiam a visão maniqueísta tradicional, lançando luz sobre a riqueza e a complexidade desse capítulo fundamental da história brasileira.

O historiador André Figueiredo Rodrigues, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) está entre os pesquisadores que fazem esse trabalho de reconstituição para melhor entender essa parte da História do Brasil. Em 11 de abril de 1789, Silvério dos Reis delatou Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, à Coroa Portuguesa, precipitando o fim da Inconfidência Mineira. “Ele é uma figura controversa. Teve um papel central no desenrolar da Inconfidência, mas pouco sabemos dele para além da pecha de traidor”, diz o especialista. O obscurantismo em torno de Silvério deve-se, antes de mais nada, aos holofotes colocados sobre Tiradentes. “Ao estudar o traidor acabamos diminuindo um pouco o poder do herói. E Tiradentes é simplesmente o herói mais estudado da história do Brasil”, acrescenta Rodrigues.  

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Quadro retratando Joaquim Silvério dos Reis, de autoria e período ignorados – (Arquivo Público de Minas Gerais //Reprodução)

Silvério, de fato, é uma figura de muitas nuances. Nascido em Portugal, ele foi atraído ao Brasil pelos relatos de prosperidade. Começou a vida sem posses, mas envolveu-se em uma variedade de atividades, nem sempre legais, que lhe garantiram a tão sonhada ascensão social. Mesmo prosperando, o fazendeiro adquiriu dívidas com a Coroa, o que o fez se juntar aos inconfidentes quando começaram as ameaças da execução da Derrama — cobrança imediata e integral de todos os impostos em atraso. Por muito tempo, acreditou-se que a traição de Silvério dos Reis teria sido estimulada por dificuldades financeiras, mas Rodrigues descarta esta hipótese. “Os documentos mostram que ele era um homem rico e poderia, inclusive, quitar suas dívidas”.

O historiador acredita que a denúncia foi uma decisão estratégica. Ao avaliar os rumos do movimento, Silvério concluiu que era uma questão de tempo para que a conjuração fosse descoberta. Diante disso, resolveu se antecipar. Assim, não perderia o status conquistado a duras penas, se livraria das punições, e ainda poderia ganhar algumas benesses. “Tudo depende do ponto de vista. Para Portugal, Tiradentes é o vilão, enquanto Silvério é o herói. Ele quem manteve o Império português unido e coeso”, acrescenta Rodrigues.

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A casa onde Joaquim Silvério viveu, em São Luís no Maranhão. (André Figueiredo Rodrigues //Reprodução)

Como prêmio pela sua delação, o fazendeiro recebeu o hábito da Ordem de Cristo, 200 mil réis de pensão, o título de fidalgo da Casa Real, foi nomeado tesoureiro-mor da Bula de Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro, e teve o sequestro de seus bens, por dívida fiscal no contrato de entradas, suspenso. Em 1795, ainda foi condecorado como Cavaleiro da Ordem de Cristo. Mas, queixando-se de constantes insultos e atentados em virtude de suas decisões, ele deixou o Rio de Janeiro e retornou a Portugal, onde viveu por alguns anos. Quando, por uma reviravolta do destino, a Corte portuguesa transferiu-se para o Rio de Janeiro, ele voltou a viver no país. No entanto, D. João VI enviou-o para viver em São Luís, no Maranhão, onde passou seus anos finais.

Mesmo após a morte, sua péssima reputação no Brasil fez com que uma de nossas figuras mais proeminentes, o duque de Caxias, patrono do exército brasileiro, discretamente ocultasse o parentesco entre os dois: o português era seu tio-avô, informação que não apareceu nas muitas biografias do militar.

Nascido em Guarulhos, Rodrigues foi seduzido pelos confins das Minas Gerais cedo. Ainda na graduação começou a pesquisar o movimento inconfidente, com especial carinho pelos personagens pouco explorados. Uma pesquisa em torno da atuação dos padres mineiros, por exemplo, o fez se deparar com Domingos da Silva dos Santos, irmão pouco conhecido de Tiradentes. Ao contrário do heroico irmão, o padre, que inicialmente liderou uma missão para a catequização de indígenas no interior do Brasil, abandonou o hábito e mudou-se para o Mato Grosso, onde, ao fingir ser advogado, aproximou-se das elites locais. Ao fim, envolve-se em tramoias escusas e acaba acusado de tráfico de diamantes. Preso como o irmão inconfidente, acaba escapando do destino trágico.

Ao pesquisar as mulheres, encontrou Hipólita Jacinta Teixeira de Melo. Ao assumir as posses da família depois do degredo do marido, ela não só garantiu a subsistência de todos como aumentou consideravelmente o patrimônio da família. Para isso, além do avançado tino administrativo, a fazendeira usou de todos os recursos que dispunha para enganar a coroa, subornar fiscais e tramar contra o cunhado. “A inconfidência foi um movimento muito feminino. Principalmente quando olhamos o que acontece com as famílias depois da conjuração. Foram as mulheres que mantiveram tudo de pé”. Há ainda José de Resende Costa Filho e Manuel Rodrigues da Costa, rebeldes condenados que, após serem expulsos, retornaram ao país com discursos ideológicos alinhados aos interesses da metrópole que eles tanto combateram.

Tiradentes não foi encontrado em um sótão pelos guardas do governador, como se supunha. “Ele foi encontrado em uma biblioteca, atrás de um sofá, com um bacamarte na mão. Nada disso vai mudar o mundo, mas nos ajuda a ilustrar tudo melhor”. O mártir também não morreu cabeludo e de barba, como se ilustra, na verdade não há nenhum registro visual dele. Mas é provável que ele tenha morrido careca e com o rosto sem pelos, como era usual entre os condenados à forca. “Meu grande objetivo é mostrar essa inconfidência que ninguém conhece”. Por fim, ao ser questionado se Silvério era herói ou vilão, responde de forma sucinta: “Para mim, vilão, claro. Afinal, eu sou brasileiro”.

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