A reforma trabalhista, em vigor desde 11 de novembro, trouxe uma nova modalidade de contratação. É o trabalho intermitente, que permite que a empresa contrate o funcionário apenas pelo tempo em que precisar dele. A mudança abre brecha para que o trabalhador ganhe menos que o salário mínimo previsto na Constituição.
Além de não saber quanto vai ganhar ao fim do mês, pois o valor depende do período pelo qual for chamado para trabalhar, o funcionário não tem os mesmos direitos do colega contratado pelo regime padrão e ainda corre o risco de pagar uma contribuição previdenciária maior que seu salário mensal.
Para não ser surpreendido com a nova regulamentação, veja abaixo algumas características do trabalho intermitente:
É preciso complementar o valor da contribuição ao INSS
O trabalhador terá de pagar contribuição adicional ao INSS se ao fim do mês a soma dos salários recebidos for inferior ao mínimo (937 reais). Se não fizer a contribuição adicional, ele perderá a qualidade de segurado e não terá direito a benefícios previdenciários, como aposentadoria, licença-maternidade, pensão por morte, auxílio-doença e auxílio-acidente.
Exemplo: uma pessoa contratada para receber 4,81 por hora foi chamada para trabalhar quatro horas por dia durante seis dias do mês. Ela recebeu um salário de 115,44 reais. A empresa vai descontar 9,23 reais para repassar ao INSS. A conta para saber quanto vai recolher de INSS é: 937 – 115,44 = 821,56. Sobre esse resultado, é preciso recolher 8% de contribuição complementar, o que dá 65,72 reais. Então o salário líquido será 115,44 – 9,23– 65,72 = 40,49 reais.
“Isso deve gerar muito problema, pois a responsabilidade de fazer a contribuição previdenciária ficou dividida entre a empresa e o trabalhador. É possível que muito trabalhador não faça a contribuição, até por desconhecimento, e aí fique sem a cobertura dos benefícios previdenciários”, diz Theodoro Vicente Agostinho, especialista em direito previdenciário.
Como recolher a complementação adicional ao INSS
Há dúvidas sobre o recolhimento da contribuição complementar ao INSS. Segundo a Sage Brasil, não há até o momento ‘previsão legal da guia e do código a ser utilizado para se efetivar o recolhimento’. A orientação é que o segurado consulte a Receita Federal. Questionada por e-mail, a Receita ainda não se manifestou sobre o assunto.
Já os advogados trabalhistas Carlos Eduardo Dantas Costa e André Villac Polinésio, sócios do Peixoto & Cury Advogados dizem que o trabalhador tem recolher em uma guia complementar, por conta própria, como contribuinte individual.
Sem direito ao seguro-desemprego
Ao fim do encerramento do contrato intermitente, o trabalhador não tem direito ao recebimento do seguro-desemprego.
Segundo a Sage do Brasil, a medida provisória 808, que regulamentou a lei da reforma trabalhista, especificou que os funcionários contratados para serviço intermitente não têm direito ao seguro-desemprego.
FGTS proporcional às horas trabalhadas
Os advogados trabalhistas Carlos Eduardo Dantas Costa e André Villac Polinésio dizem que o trabalhador intermitente tem os mesmos direitos que um empregado normal em relação ao FGTS.
“A diferença é que ele recebe tudo de forma proporcional. Se ele foi só chamado para trabalhar dez dias, receberá proporcionalmente. Ele recebe por salário hora, não tem garantia de salário mínimo”, afirmam.
Para o trabalhador que recebeu só 115,44 reais de salário, a empresa depositará em sua conta no FGTS apenas 9,24 reais. Se recebesse um salário mínimo de 937 reais, o depósito seria de 74,96 reais.
Férias e 13º salários proporcionais
O cálculo das férias e 13º salário do trabalhador intermitente é um pouco complexo. O trabalhador com contrato tradicional recebe férias equivalente a um salário para cada doze meses (12 avos) trabalhados.
Segundo a Sage Brasil, é preciso calcular o valor do ‘avo trabalhado’ dividindo o salário mensal por 12. Esse resultado deve ser dividido por 30 para calcular o valor referente a um dia de trabalho.
“Apurando-se o valor desse dia, o valor encontrado será multiplicado pela quantidade de dias que o empregado trabalhou como intermitente no período, sendo que esse cálculo pode ser utilizado tanto em relação às férias como em relação ao 13º (décimo terceiro) salário devido ao trabalhador intermitente”, dizem os consultores da Sage Brasil.
Empresa não pode substituir contrato padrão por intermitente
Se você tem um contrato de trabalho sem tempo determinado, sua empresa não pode demiti-lo e recontratá-lo como intermitente. Eliane Ribeiro Gago, especialista em relações trabalhistas, diz que empresas não podem substituir o vínculo trabalhista pela modalidade intermitente pelo período de dezoito meses – contados a partir da demissão.
Segundo ela, essa ‘carência de 18 meses’ acaba em 31 de dezembro de 2020.
Incentivo à formalização
Mauricio Corrêa da Veiga, especialista em direito trabalhista, diz que o contrato intermitente legaliza uma situação que já existia na prática. “Muitos trabalhadores já prestam serviços por hora, de maneira informal, para empresas. O contrato intermitente legaliza isso, dando ao trabalhador direito ao FGTS, férias, INSS.”
Exemplo disso são empresas que contratam funcionários apenas para fins de semana, como bares, restaurantes e bufês infantis. “O intermitente traz para a formalidade aquilo que já existia na informalidade. Assina carteira, dá direitos”, afirma Corrêa da Veiga.
Aviso prévio e rescisão
Eliane Ribeiro Gago diz que a lei prevê que as verbas rescisórias e o aviso prévio sejam calculados com base na média dos valores recebidos pelo empregado no curso do contrato.
O cálculo leva em conta apenas os meses durante os quais o empregado recebeu alguma remuneração no intervalo dos últimos doze meses ou vigência do contrato de trabalho intermitente.
Salário mínimo
O valor oferecido ao trabalhador intermitente não pode ser inferior ao valor do salário mínimo por hora, que em 2017 é de 4,26 reais. Apesar da hora/trabalho corresponder à hora do salário mínimo, o trabalhador intermitente pode receber menos que o piso, já que seu contrato está vinculado à quantidade de horas executadas.