Grande esperança por dias melhores durante a pandemia, a vacinação contra a Covid-19 também é considerada como elemento fundamental para a retomada econômica no Brasil. E, por isso, o imunizante deve ser peça-chave na política das empresas para manterem sua mão de obra em segurança e até mesmo expandir seus serviços. Nesse cenário, o trabalhador que decidir não tomar a vacina da Covid-19 poderá ser demitido. Juristas ouvidos por VEJA, entretanto, diferem sobre a possibilidade de desligamento por justa causa ao empregado que decidir não se imunizar.
A vacinação contra a Covid-19 aqui no Brasil segue pelo Plano Nacional de Imunização, ou seja, pela rede pública e de forma voluntária. Ou seja, cada pessoa terá a liberdade para decidir tomar ou não o imunizante. Porém, como frisou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na decisão da liberação de uso emergencial da Coronavac e da vacina de Oxford/AstraZeneca, não há tratamento eficiente contra à Covid-19, assim, a vacina é o único meio eficaz de prevenir contra a doença e conter a pandemia.
A discussão sobre a demissão ser passível de justa causa se centra justamente no aspecto da não obrigatoriedade do plano de imunização. O advogado José Carlos Wahle, sócio da área trabalhista do Veirano Advogados, explica que a demissão por justa causa é a maior medida punitiva prevista na relação de trabalho, sendo tomada em faltas graves recorrentes ou em uma por si só muito grave. “No caso da vacina, há uma questão de obrigação ou faculdade de se imunizar. Como não há uma obrigatoriedade na vacinação, o papel da empresa é orientar, mais que isso, incentivar que a pessoa se imunize. Mas não se pode usar a justa causa como retaliação a uma escolha”, afirmou. Segundo Wahle, a empresa entretanto pode escolher desligar o colaborador sem justa causa, assim, pagando todas as verbas indenizatórias. “A decisão do empregador, em um desligamento sem justa causa é válida, caso a pessoa não se enquadre na política da empresa. Além disso, há o risco de contaminação dos demais funcionários”.
De acordo com o advogado, a questão muda de figura caso a vacinação se torne obrigatória. Em dezembro, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que estados e municípios podem decretar a imunização compulsória e, nesses casos, prever sanções em lei. “Até então, não é isso que ocorre”, diz Wahle.
Um exemplo da obrigatoriedade em relação à Covid-19 — e que pode ensejar em ações punitivas — é o uso das máscaras. Apesar de a lei federal obrigar o uso do equipamento de proteção apenas em espaços públicos e em meio de transportes, há decretos mais restritivos em estados e municípios que obrigam o uso em todo tipo de estabelecimento, como acontece em São Paulo. “No caso da máscara, se o trabalhador se recusar a utilizá-la, a falta é grave. Descumpre uma política da empresa e uma obrigatoriedade. Cabe uma advertência, suspensão e justa causa caso ocorra a repetição da infração”, afirma Fernando Almeida Prado, advogado, professor e sócio do escritório BFAP Advogados. Sobre a vacina, o advogado também acredita que a punição não é passível de justa causa, mas não impede um desligamento com pagamento de verbas indenizatórias. Porém, salienta a insegurança jurídica do país. “As empresas estão com polítcas agressivas de combate a pandemia. Mas, impor a vacinação nesse contexto seria assumir um grande risco jurídico.”
Os especialistas salientam que a decisão de incentivar o uso de vacinas e fiscalizar as máscaras passa pela questão do risco ocupacional da Covid-19. Além de ter a mão de obra reduzida por causa da doença, caso o trabalhador se contamine e consiga provar que a doença foi contraída no ambiente de trabalho, o trabalhador pode conseguir estabilidade no emprego por 12 meses, já que há a possibilidade da Covid-19 ser considerada doença ocupacional.
Risco de contaminiação
Nesse cenário, a vacinação assume um caráter ainda mais estratégico para as operações das companhias. O advogado Danilo Pieri Pereira, sócio do escritório Baraldi Mélega Advogados, ressalta que a empresa tem a prerrogativa de exigir a vacinação a fim de proteger o ambiente de trabalho “e evitar riscos à saúde da própria coletividade”. E, caso o funcionário decida não se vacinar, ele deve fundamentar sua decisão. “Se for uma justificativa fundamentada em risco ao próprio empregado, como uma condição de saúde prévia, por exemplo, que inviabilize ou ameace causar dano à pessoa por uma reação alérgica à vacina, por exemplo, o trabalhador não pode ser punido, mas o empregador tem o direito de colocá-lo em isolamento ou em “home office” a fim de resguardar ele próprio e os demais empregados”. Porém, segundo o advogado, no caso de justificativas por motivações religiosas, políticas ou meramente ideológicas, seria possível a aplicação de advertência ou até mesmo a demissão por justa causa. “O fundamento de uma eventual justa causa seria o ato de insubordinação do trabalhador a uma determinação da empresa, que tem por escopo a proteção dos demais colaboradores e do ambiente de trabalho”, explica.
Para Ricardo Calcini, Professor de Direito do Trabalho e especialista nas relações trabalhistas ou sindicais, afirma que a discussão sobre a aplicabilidade de uma justa causa ou não no caso de recusa de vacinas ainda é uma discussão distante. Segundo ele, a decisão do STF de dezembro, fala na obrigação do Estado em promover a vacinação, com o imunizante em domínio público. “Com as poucas doses de vacina e a restrição a grupos de risco, ainda não há um domínio público”, lembra. O especialista compara a vacinação aos EPIs, que reduzem o risco ambiental. “Para que essa discussão aconteça, é preciso que a vacina esteja disponível a todos”.
A médica infectologista e consultora da corretora It’sSeg Naiane Ribeiro Lomes lembra dos benefícios da imunização e do papel da empresa de incentivar a vacinação. “Toda a comunidade, seja ela um núcleo familiar, escola ou local de trabalho, se beneficia da imunização. Dentre os ganhos diretos, destacam-se a redução do risco de adoecer (com menor número de internações hospitalares e sinistros relacionados), bem como a redução da transmissão entre as pessoas, tornando o ambiente mais seguro e reduzindo afastamentos”, diz. Aqui, segundo ela, o papel das empresas é fundamental, pois além de ajudar na prevenção de doenças, existe um caráter educativo. “Combater a disseminação de informações equivocadas será fundamental.”