Sair à procura de um lugar para morar pode ser uma experiência desgastante, ainda mais se for às pressas. Périplo por imobiliárias, busca em sites, visitas, papelada e fiador são barreiras que costumam fazer as pessoas desistirem antes de começar. Além disso, é sempre uma tarefa inglória encontrar a moradia que combine localização ideal com serviços e preço adequados. O ambiente hostil, entretanto, está se tornando bem mais amigável: a tecnologia inovadora que mudou a forma como se consome entretenimento e transporte está também transformando o mercado de locação de imóveis. Ou seja, alugar um apartamento ou uma casa passou a ser tão fácil e cômodo quanto ver um filme no streaming ou pedir um carro pelo aplicativo.
Pensou no Airbnb? O revolucionário aplicativo, que começou a operar no Brasil em 2012, abriu um leque de opções para acomodar hóspedes por temporada, mas, até por suas características, ele é usado como plataforma de aluguel de veraneio, férias e feriados. Na cidade, o perfil do locatário é outro: o médico que migrou do interior, o divorciado que precisa sair logo de casa, o jovem executivo que não mora mais com os pais — apenas para citar alguns exemplos. Para esse público cosmopolita, acaba de ser criado o conceito de moradia por assinatura, cuja plataforma pioneira é a Housi, projeto do empresário Alexandre Frankel, também fundador da Vitacon, construtora especializada em pequenos apartamentos com serviços de cozinha e lavanderia compartilhados, um conceito igualmente inédito ao ser lançado, em 2019.
A Housi se propõe a alugar casas e apartamentos de forma instantânea, liberando imediatamente ao interessado a unidade escolhida. Para tanto, ele precisa ter cartão de crédito ou débito, do qual será cobrado o pacote que inclui aluguel, condomínio, IPTU e demais despesas. O inquilino não precisa passar em nenhuma imobiliária para assinar contrato e escolhe ficar pelo tempo que quiser, sendo cobrado por mês, como se fosse um assinante da Netflix, com a diferença de que, caso saia antes do período requisitado, deverá pagar 10% do restante da locação — a menos que se mude para outra unidade administrada pela Housi.
A modalidade simplificada, pronta para morar, serviu como uma luva para a modelo carioca Juliana Calderari, que está fixada em São Paulo por tempo indeterminado. Antes da pandemia, ela morava com os avós, mas precisou procurar seu canto para protegê-los da Covid-19 e também porque queria um apartamento de pé direito alto, onde pudesse fazer seus ensaios. Ela conta que procurou o serviço pela praticidade: “Se quebra alguma coisa, basta chamar pelo WhatsApp que eles vêm trocar”.
Embora o conceito seja novo, algumas empresas buscam caminhos similares — não exatamente iguais, ressalte-se. Em São Paulo, a construtora TPA reformou um prédio da década de 40 e colocou todas as 161 unidades para alugar, também sem qualquer burocracia e por períodos flexíveis. Em Belo Horizonte, a MRV, a maior construtora do país, descobriu no aluguel de unidades recém-construídas uma maneira de fazer dinheiro rápido. Lançada em Minas, a iniciativa foi expandida para outras regiões.
Crescente, o movimento está em sintonia com os hábitos de jovens de hoje, os millennials, mais interessados nos serviços e na localização do que na posse. Segundo Frankel, 82% desse público prefere alugar a comprar, porcentual que supera a média nacional. Trata-se de um contingente de milhões de pessoas que não querem adquirir uma propriedade só pelo fato de tê-la, uma vez que podem vir a morar em outra cidade ou mesmo em outro país de uma hora para outra — fenômeno que foi impulsionado pelo home office.
Das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, onde começou a operação em março de 2020, a Housi saltou para quarenta municípios em todas as regiões do país. Tem sob sua custódia 20 000 unidades, que contabilizam 10 bilhões de reais em ativos. A plataforma é dividida em site e aplicativo, mas o site ainda é mais utilizado, inclusive pelos proprietários que cadastram imóveis para alugar.
É de imaginar que o conceito represente uma ameaça às imobiliárias tradicionais, como a Netflix acabou com as videolocadoras. O fundador da Housi refuta esse atrito, afirmando que são modelos complementares e que a sua empresa pode prestar serviço às imobiliárias, como faz junto à hotelaria e a construtoras que vendem imóveis para investidores interessados na receita do aluguel. “Imóvel é apenas um hardware, precisa de um software para funcionar”, diz o empresário.
Iniciativas como essas reforçam um momento único para o setor. O mercado imobiliário não sabe o que é crise. De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), o volume de financiamentos cresceu 113% no primeiro trimestre, ante igual período de 2020. Os números são ainda mais surpreendentes considerando que o crédito já havia avançado 57,5% no ano passado. Se não for viável comprar a casa, seja por razões financeiras, seja por desejos pessoais, a tecnologia pode ser uma aliada decisiva — e as plataformas digitais estão aí para provar isso.
Publicado em VEJA de 26 de maio de 2021, edição nº 2739