A novela do Orçamento de 2021, com duração de meio ano, alcançou finalmente seus estertores depois de consumir considerável capital político do Ministério da Economia com o Congresso. Na semana passada, o ministro Paulo Guedes aceitou que despesas ligadas à Covid-19 ocorram fora do teto de gastos em troca da retirada de mais de 10 bilhões de reais em emendas incluídas no texto final. A solução não foi a mais desejada pelo mercado financeiro, o que levou a duas quedas do Ibovespa. Os investidores farejam uma falta de compromisso do governo e dos parlamentares em resolver o rombo fiscal e um prejuízo severo na relação entre ambas as partes, o que pode dificultar a implementação do projeto liberal prometido pelo governo.
Em meio aos embates e discussões, de fato, pouco se falou a respeito das aguardadas reformas administrativa e tributária, que seguem em ritmo quase vegetativo. Os mais atentos perceberam, porém, que Guedes e sua equipe vêm conseguindo encaminhar uma série de medidas que, apesar de menores e mais discretas, têm potencial de gerar investimentos multibilionários a longo prazo. Trata-se de um conjunto de ações, também chamadas de microrreformas, que eliminam entraves que comprometem a competitividade econômica do país.
Foi assim com a Lei do Gás, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 8 de abril. Ela prevê a abertura do mercado de gás natural, o mais limpo, econômico e versátil dos combustíveis fósseis, que é subaproveitado e está concentrado nas mãos da Petrobras. Sócia de vinte das 27 distribuidoras locais, a estatal responde por 77% da produção e por 100% da importação. Com o novo arcabouço legal, empresas privadas, incluindo multinacionais, podem alocar mais de 32 bilhões de reais em investimentos no país até 2032, trazendo eficiência e inovação. A expectativa é reduzir drasticamente os preços da matéria-prima e triplicar sua produção. “A Lei do Gás é a principal reforma liberal microeconômica que o país fez em muito tempo. O impacto é gigantesco”, diz Alexandre Manoel, ex-secretário do Ministério da Economia.
Em outras frentes, o governo também amealhou conquistas relevantes. Em fevereiro, foi aprovada a autonomia do Banco Central, que ficará blindado contra manobras políticas, como já ocorreu no passado. Na terça-feira 20, o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, e sete diretores foram nomeados para cargos fixos na instituição, com mandato até 2024. Em julho do ano passado já havia sido aprovado e sancionado o marco regulatório do saneamento básico que pode atrair até 700 bilhões de reais em investimentos e ampliar dramaticamente o acesso da população a água tratada e esgoto até 2033.
Os próximos passos previstos dessas reformas silenciosas são a desestatização da Eletrobras e dos Correios, projetos já entregues ao Congresso, e a aprovação do marco legal das ferrovias e da BR do Mar, medida de estímulo ao transporte por cabotagem. Aprovado na Câmara e aguardando apreciação no Senado, o projeto abrirá a navegação marítima a navios estrangeiros. “O projeto foi trabalhado dentro dos ministérios da Economia e da Infraestrutura para atacar a baixa competitividade do transporte marítimo, aumentando a oferta e reduzindo o valor do frete”, explica a secretária especial do Programa de Parcerias e Investimentos, Martha Seillier. Mesmo com as dificuldades e os entraves enfrentados pelo ministro Paulo Guedes, o plano de modernização da economia idealizado por ele avança — ainda que a passos miúdos e discretos.
Publicado em VEJA de 28 de abril de 2021, edição nº 2735