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Previdência chega ao Senado desidratada e diferente do projeto do governo

Texto perde pontos importantes e potência fiscal durante a tramitação no Congresso

Por Alessandra Kianek, Larissa Quintino, Fernando Beagá e Fábio Pontes
17 ago 2019, 09h41
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  • Após seis meses na Câmara dos Deputados, a reforma da Previdência chegou ao Senado Federal, última etapa antes que as mudanças passem a valer. O texto que os senadores irão analisar sofreu mudanças significativas em relação à proposta original encaminhada pelo governo Jair Bolsonaro, o que levou à redução da projeção do impacto fiscal. Agora, a economia que será alcançada em dez anos deve ficar em 933,5 bilhões de reais, distante do 1,2 trilhão de reais projetado inicialmente pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

    A espinha dorsal do texto, entretanto, foi mantida: fixação de uma idade mínima e fim da aposentadoria por tempo de contribuição. Para se aposentar, os trabalhadores – tanto da iniciativa privada como os servidores públicos – vão precisar cumprir uma idade mínima. Mulheres precisarão trabalhar, pelo menos, até completar os 62 anos de idade e homens têm tempo mínimo de idade de 65 anos para que possam pedir a aposentadoria. Essas regras valem para trabalhadores que ainda não entraram no mercado de trabalho. Para quem já está trabalhando, há quatro regras de transição da aposentadoria do tempo de contribuição vigente hoje. Para ajudar a saber quando o trabalhador pode se aposentar com as novas regras, VEJA criou uma calculadora que mostra quando você poderá se aposentar no novo cenário. 

    Dentre as alterações impostas pelos deputados, temas considerados sensíveis e cruciais para a equipe econômica foram deixados de fora das novas regras da aposentadoria. As primeiras mudanças ocorreram pelas mãos do relator da reforma na comissão especial da Câmara, o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP). Foram retirados pontos que mudavam a aposentadoria rural e Benefício de Prestação Continuada (BPC), aquele pago a idosos e deficientes de baixa renda. 

    Inicialmente, o governo propunha para o benefício assistencial fixar o valor de 400 reais a partir dos 60 anos de idade e, aos 70 anos, o segurado passaria a receber o salário mínimo (998 reais atualmente). Os deputados, entretanto, mantiveram as regras como atualmente: idosos pobres, a partir dos 65 anos, podem receber o auxílio equivalente a um salário mínimo. 

    É com esse benefício, por exemplo, que José Lopes da Silva, de 60 anos, vendedor de picolés em Rio Branco, capital do Acre, pode chegar a aposentadoria. Como não tem carteira assinada, ele terá que esperar até os 65 anos para ter direito ao salário mínimo. Se a regra do governo tivesse passada, ele, que não tem renda regular nem documentos para comprovar que foi trabalhador rural no passado, iria se aposentar recebendo apenas 400 reais por mês. “Seria uma covardia o governo tirar o benefício que o povo tem direito.”

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    A outra mudança elaborada pelo governo e que caiu na largada foi a aposentadoria rural. O governo previa igualar a idade de homens e mulheres para esse tipo de benefício: 60 anos de idade com 20 anos de contribuição. Samuel Moreira limou as regras da reforma e homens e mulheres continuam com as mesmas regras que já estão em vigor: podem se aposentar aos 60 anos, se homem, ou 55 anos, se mulher se comprovarem 15 anos de trabalho no campo.

    Com esse cenário, a agricultora Maria Givaneide dos Santos, de 48 anos, pode retomar seus planos de se aposentar aos 55 anos de idade. Ela trabalha no campo desde os 8 anos. Hoje, tem seu pedaço de terra (1 hectare) no assentamento Nossa Senhora do Carmo, no município de Santa Maria da Boa Vista, em Pernambuco, às margens do rio São Francisco, onde cultiva banana. Fatura em média 1.200 reais mensais e contribui com 1,5% do valor. Ela afirma que tem ao menos 23 anos de tempo de contribuição como pequena produtora. “Meu sonho de me aposentar aos 55 estava indo por água abaixo. Eu tiro a palha da banana, derrubo o mangará, o tronco, carrego peso… Não terei força aos 60. Da forma como estava proposto, meus filhos teriam de cuidar de mim lá na frente.”

    Capitalização também caiu

    O golpe mais sentido pelo governo durante a passagem do texto na Câmara, entretanto, não era uma mudança imediata. A autorização de implementar um regime de capitalização para os novos trabalhadores que entrassem no mercado de trabalho também caiu por terra.  Esse regime mudaria a lógica do sistema de aposentadoria oficial do país. Nele, cada trabalhador financiaria a sua própria aposentadoria no futuro – diferentemente do regime atual, em que o trabalhador paga para financiar o benefício de quem está aposentado. O governo já se articula para enviar, após a Previdência, uma nova PEC só com a capitalização. Outro importante baque para o governo, reflexo da agenda própria dos deputados, foi a retirada de estados e municípios da reforma da Previdência. 

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    Para tentar equilibrar as contas, devido à redução do impacto fiscal com a retirada de itens do texto, o relator na Câmara elevou um imposto do sistema financeiro. A alíquota de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) paga pelos bancos passará dos atuais 15% para 20%, aumentando a arrecadação em mais de 50 bilhões de reais. Moreira também restringiu regras do abono salarial do PIS: hoje, o benefício é para quem recebe uma média anual de até dois salários mínimos ao mês, e passará a valer apenas para renda de até 1.364,43 reais mensais. E ganhou, nesse caso, mais 76 bilhões de reais no texto da reforma.

    Quando a reforma foi ser discutida no plenário da Câmara, em primeiro turno, em julho, houve um novo revés. Em acordos construídos entre os próprios parlamentares, outras quatro regras foram modificadas: flexibilização das exigências para aposentadoria de mulheres; regras mais brandas para integrantes de carreiras policiais; diminuição de 20 anos para 15 anos do tempo mínimo de contribuição de homens; e regras que beneficiam professores próximos da aposentadoria.

    O único ponto bancado por Bolsonaro, que foram regras mais brandas para policiais federais, teve cheiro de derrota. Isso porque o presidente defendeu as alterações ainda na comissão especial após ser chamado de traidor por um grupo de policiais federais que protestavam contra a reforma. Em resposta, o presidente sugeriu a suavização das regras: 53 anos para homens e 52 anos para mulheres com um pedágio de 100% do tempo que falta para que esses profissionais se aposentem hoje. No entanto, representantes de associação de policiais não aceitaram, e a alteração costurada com os parlamentares não foi para a frente. Durante a votação do texto no plenário, partidos do centrão com o PSL voltaram a negociar com os policiais, que aí sim aceitaram as novas regras. O destaque foi apresentado pelo Podemos e aprovado. A perda de impacto fiscal girou em torno de 5 bilhões de reais. 

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    A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) passou por uma votação em segundo turno na Câmara mais tranquila, com todos os destaques negados, servindo para ratificar a vitória dos parlamentares de centro-direita. Considerada uma das salvações para a economia brasileira, a proposta chegou agora ao Senado. Lá, os parlamentares tentarão reincluir a extensão das novas regras previdenciárias para estados e municípios. Mas, para que a mudança no sistema de aposentadoria seja mais rápida, essas alterações devem tramitar como uma PEC paralela e apenas essa parte da reforma voltaria à Câmara. O acordo foi costurado pelo partido Novo, que retirou um destaque sobre o assunto na votação do primeiro turno da reforma no plenário. A atitude é apoiada pela equipe econômica e bancada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

    Calendário

    Para que as novas regras da aposentadoria comecem a valer, o Senado precisa aprovar a proposta em dois turnos com o aval de ao menos 49 dos 81 parlamentares que compõe a Casa.  Pelo calendário acordado entre os líderes partidários, o texto deve ir a plenário para votação em primeiro turno na segunda quinzena de setembro e, em segundo turno na primeira de outubro. Antes, entretanto, o texto precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde está em análise e deve votar um parecer entre o fim de agosto e começo de setembro.

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