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Por que risco de quebra da Evergrande é menor que foi do Lehman Brothers

Incorporadora chinesa conta com a intervenção do governo chinês, que dificilmente permitirá que um de seus pilares de crescimento vá à falência

Por Luisa Purchio Atualizado em 21 set 2021, 09h46 - Publicado em 21 set 2021, 07h00
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  • A aversão ao risco tomou conta dos principais mercados globais no início desta semana. Investidores estão receosos com a quebra da incorporadora chinesa Evergrande, uma gigante que já foi a segunda maior do país do Extremo Oriente e que está entre as maiores empresas do mundo. Feriado na China, ontem, as bolsas não abriram no país, mas o índice Hang Seng, de Hong Kong, fechou em queda de 3,30% e as bolsas americanas amargaram perdas. Entre as companhias que compõem o índice de Hong Kong, as empresas que tiveram as dez maiores quedas acumulam desvalorização diária de 6%, enquanto as empresas ligadas ao setor imobiliário e os bancos se retraíram acima de 8% — os papeis da Evergrande Real Estate Group caíram 10,24%.

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    O grande problema da Evergrande reside das dívidas bilionárias emitidas pela empresa. Um milhão e meio de pessoas investiram em casas que estão para ser construídas e a empresa acumula 300 bilhões de dólares de dívidas de curto e longo prazo. O mercado está reagindo muito negativamente e precificando o risco de contágio, ou seja, de que empresas, fundos e investidores que detém os bonds (títulos de dívida) dessa empresa ficariam em uma situação complicada. Caso ela quebre, eles não teriam previsão de receber o retorno do investimento feito nestes títulos, o que impacta os seus balanços financeiros”, diz Gilberto Cardoso, CEO da Tarraco Commodities Solutions e analista da plataforma OHMResearch.

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    Apesar das especulações mundo afora e as semelhanças que esta crise têm com a crise do subprime americana do fim da primeira década deste milênio, o risco de falência da gigante chinesa e as suas consequências têm características bastante diversas das que se originaram no mercado imobiliário dos Estados Unidos e que acabaram por derrubar as bolsas em todo o mundo no ano de 2008.

    Entre as semelhanças está o fato de a crise do subprime americana ter sido gerada a partir de títulos conhecidos como CDOs (Collateralized Debt Obligation), ou seja, títulos lastreados em dívidas que, no caso do setor imobiliário, depois se tornaram créditos podres, dívidas de difícil pagamento pelos devedores. A crise da empresa Evergrande tem como base os chamados WMPs (Wealth Management Product), títulos chineses semelhantes aos CDOs que também comportam ativos ruins, como rolagens de dívidas problemáticas e empréstimos feitos pelo governo central para governos locais e que nunca serão pagos, por exemplo.

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    Uma das principais semelhanças entre os CDOs e os WMPs é o fato de serem emitidos no sistema chamado Shadow Banking (Banco na Sombra, em tradução livre), um mercado que ocorre à margem dos bancões e dos olhos dos reguladores do sistema financeiro. Além disso, este sistema é off balance, ou seja, não possui informações suficientes aos investidores para tomarem suas decisões de forma bem embasada, mas sua remuneração é bem maior que a oferecida pelos títulos tradicionais dos bancos.

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    Na China, os WMPs de empresas privadas ou estatais são emitidos pelos bancos chineses por meio de uma empresa de truste controlada por eles, para em caso de risco de calote o problema não entrar no balanço financeiro das instituições financeiras. E, assim como nos Estados Unidos, apesar de os títulos serem emitidos por uma outra empresa, os bancos chineses os comercializam mesmo assim. “Todos os WMPs emitidos são vendidos nos guichês dos bancos chineses, porém, está explícito no contrato de que, em caso de quebra, o banco não garantirá nada. Ainda assim, a população não se importa e compra estes títulos, ou porque não entende o contrato ou porque sabe que muitos deles já faliram mas o governo acabou ajudando”, diz Roberto Dumas, professor de economia chinesa do Insper.

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    E é justamente aí que está a grande diferença entre os títulos podres chineses e os títulos podres americanos: a interferência do estado chinês na economia – e em todas as outras esferas do país. Cardoso cita quatro motivos que indicam que a empresa Evergrande não quebrará, todos ligados ao sistema político e econômico da China. O primeiro deles é o fato de que hoje há 1.300 construções de empreendimentos em andamento e ainda não entregues, justamente em cidades em desenvolvimento. A Evergrande emprega de 200 mil a 220 mil funcionários e indiretamente contrata anualmente 3,8 milhões de trabalhadores. “Se a economia for mal, a sociedade vai reclamar. Para evitar a tensão social, acredito que a China vai de alguma forma estatizar ou injetar dinheiro na empresa para ajudar no processo de liquidez, justamente para evitar os desempregos e uma tensão social”, diz ele.

    O segundo motivo é o fato de que a crise está ocorrendo com ativos imobiliários, um subproduto de uma política pública do próprio Partido Comunista Chinês. “O governo decidiu impulsionar o mercado imobiliário e a infraestrutura há muito tempo, como forma de garantir um crescimento acima de 5%, 6%, para legitimar o governo e o partido. Dificilmente ele detonará a única coisa que manteve a China em crescimento durante a pandemia”, diz ele.

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    Já o terceiro motivo está ligado à disputa por liderança mundial com os Estados Unidos e o fato de a China ter chamado o país de “império em decadência” após a quebra do Lehman Brothers. “Como agora ela poderá deixar acontecer a mesma coisa no seu país após acusar os Estados Unidos?”, questiona Dumas. A quarta e principal diferença entre as duas crises é o fato de que os investidores chineses não têm tantas alternativas para diversificar seus investimentos em outros países. “A conta de capital é fechada e o investidor não pode sair da China. Portanto, mais cedo ou mais tarde ele vai para o Banco da China ou para o Banco de Xangai. Isso significa que não há como o país enfrentar uma crise de liquidez como ocorreu com o Lehman Brothers, e, se ocorrer um estresse de liquidez, o banco central da China certamente comprará títulos públicos para injetar dinheiro na economia”, diz Dumas.

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    “É um exagero achar que a crise da Evergrande será como o Lehman Brothers. O produto é muito semelhante, ele é feito no Shadow Bank, não está no balanço dos bancos e está cheio de lixo tóxico, mas a economia chinesa funciona à parte do relacionamento internacional geopolítico. O mercado tende a voltar ao normal em algum momento”, diz Dumas.

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    “A minha expectativa é que o governo chinês vai pensar muito seriamente os riscos de deixar uma empresa dessas quebrar. Já existem algumas manifestações pontuais em frente às sedes da empresa, de trabalhadores chineses de classe média baixa que não querem perder o investimento que fizeram”, diz Gilberto Cardoso, da Tarraco Commodities Solutions e da OHMResearch. “Não é do feitio do governo chinês deixar desenvolver qualquer manifestação pública nesse sentido. O risco de causar uma comoção nacional é grande, o governo vai pesar bem isso e talvez intervir”, diz ele.

    Xu Jiayin, fundador da empresa em 1996, afirmou em uma carta aos funcionários divulgada nesta terça-feira, 21, que “acredita firmemente que a Evergrande poderá sair em breve de seu momento mais obscuro”, informou o jornal estatal Securities Times.

    Impacto no Brasil

    O risco de falência da Evergrande existe, mas é considerado pequeno. E, apesar de a reação das bolsas ser avaliada como um exagero, é inegável que esta crise impacta o mercado imobiliário chinês interno e os fornecedores de matérias-prima que alimentam este setor, como é o caso do Brasil. Nesta segunda-feira, a Vale, exportadora de minério de ferro utilizado na construção civil chinesa, teve queda de 2,71% no Ibovespa.

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