Com a inflação em níveis baixos e o pouco crescimento da economia, o Banco Central vem cortando a Selic desde 2016. Mas mesmo com a queda da taxa básica de juros ao menor nível da história (6,50%) , os juros dos empréstimos aos consumidores não caíram no mesmo ritmo. Enquanto a Selic foi cortada em 50,9% entre outubro de 2016 e janeiro de 2018, a taxa média de juros nos empréstimos para pessoas físicas caiu 24,6% no período (veja gráfico abaixo).
Os dados são da última divulgação do BC sobre crédito e levam em conta operações para pessoas físicas com os chamados recursos livres – sem destinação específica, ao contrário de empréstimos direcionados, como financiamento imobiliário. Na prática, a queda da Selic torna o custo de captação do dinheiro menor, pois o mercado usa a taxa como referência nos empréstimos entre instituições, por exemplo.
Mas o “custo” do dinheiro não é o único fator na conta dos juros aos clientes. As instituições financeiras argumentam que têm repassado os cortes, embora a redução não depende só delas, mas de fatores como altos custos operacionais, de impostos e regulatórios. Dentre vários dados sobre o mercado de crédito no Brasil, especialistas destacam a alta taxa de inadimplência, pouca eficiência na avaliação de crédito, grande concentração e ganhos altos nas operações.
O que entra na conta
O negócio dos bancos se baseia na diferença entre a taxa de juros paga na arrecadação (captação) de dinheiro junto ao mercado e a cobrada no empréstimo aos clientes. Essa disparidade tem o nome técnico de “spread”. Além do lucro com a operação em si, as instituições embutem outros custos da operação.
A maior parcela é destinada a cobrir a inadimplência (55,7% do spread). Em outras palavras, os bancos estimam quantos clientes não vão pagar os empréstimos e incluem na taxa uma margem que dá para cobrir essas perdas. O lucro – ganho com a operação em si – é o segundo maior fator, com quase um quarto da taxa (23,3%).
Inadimplência
Com a perda de empregos em razão da crise, a inadimplência tem subido de forma contínua. Em fevereiro, 61,7 milhões de pessoas tinham alguma dívida em atraso, segundo dados de pesquisa do SPC Brasil e da Confederação Nacional de Dirigentes Logistas (CNDL). O número representa 40,5% da população adulta. Segundo os bancos, esse é um dos principais fatores que impedem quedas maiores nos juros.
Marcelo Kfoury, professor de economia da FGV, diz acreditar que é possível ver uma correlação histórica entre o aumento da inadimplência e o spread. O especialista considera que a dificuldade em reaver o valor emprestado motiva a cobrança de juros altos. “Até para carros, cuja recuperação seria mais fácil, a taxa de sucesso é de cerca de 20%”, diz o pesquisador. As instituições financeiras defendem mudança no cadastro de bons pagadores (cadastro positivo), como a inclusão automática de consumidores nele, para terem informação melhor sobre pagadores. Dessa forma, poderiam cobrar menos.
Para José Ricardo Roriz Coelho, 2º vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a dificuldade de receber não explica os juros altos por si só. “O spread do crédito consignado, em que a garantia de receber é de 100%, é 4,5 maior que o spread médio de países comparáveis com o nosso.” A entidade lançou na última semana uma campanha contra o alto patamar das taxa de juros e pretende incitar o debate sobre o assunto no país.
“Lucro” alto
Apesar do alto peso da inadimplência, o “lucro” também tem sua parcela na conta do spread. As instituições financeiras argumentam que a margem está alinhada com a média global do setor. Mas dados do Banco Mundial sugerem que o Brasil é um ponto fora da curva nesse quesito. Nosso spread é o maior do mundo, e nosso sistema financeiro tem uma participação mediana na quantidade de crédito em relação ao PIB.
“Exacerbados por ineficiências microeconômicas e institucionais, os spreads da taxa de juros permanecem excepcionalmente elevados em comparação a economias similares. A regulação dos bancos é prudente para evitar a tomada de risco excessiva e, em geral, os bancos apresentam níveis adequados de capitalização e lucratividade”, diz relatório da instituição.
Concorrência
A capacidade de honrar pagamentos melhora quando há mais empregos. Mas há indícios de que a avaliação dos riscos poderia ser mais eficiente. “A estrutura de um banco é grande, tem muitas agências. Por mais que os funcionários recebam treinamento, existe uma vocação comercial muito forte, para vender produtos” diz Marcos Piellusch, professor de finanças (Fundação Instituto de Administração (FIA).
O diretor de regulação do BC, Otávio Damaso, não considera que concentração implique em baixa concorrência em si. Mas o aumento da concorrência poderia trazer benefícios. Entre as soluções propostas pela instituição para reduzir o spread estão a redução da taxa de crédito subsidiado (TLP, do BNDES, já implantada) e a regulamentação de empresas de tecnologia para o mercado financeiro – as fintechs. No primeiro caso, a medida permitiu mais oferta no crédito para investimentos, segundo Damaso. O BC pretende encaminhar uma proposta de regulamentação das fintechs em abril, que poderiam complementar o mercado de crédito. “O papel é buscar nichos em que existem gaps [degraus] a ser preenchidos, onde tem pouco crédito ou margem muito elevada”, explica.
Representantes dos trabalhadores do setor bancário indicam que o setor tem sofrido redução na força de trabalho, e o fechamento de agências aumenta a carga de trabalho dos que ficam. “Somente em 2017, houve uma redução de quase 18.000 postos de trabalho nos bancos. Isso sobrecarrega não apenas os gerentes, mas todos os demais trabalhadores”, diz Roberto von der Osten, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT).