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Por que as exportações da indústria sofrem mesmo com o dólar nas alturas

Não é só a pandemia; por trás dessa baixa dos embarques está o complicado ambiente de negócios brasileiro

Por Luisa Purchio 27 jun 2020, 10h00
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  • O real se desvalorizou 32,3% em relação ao dólar desde o começo do ano, passando de 4,0232 reais no dia 2 de janeiro para 5,3358 reais na quinta-feira 25. Apesar de incomodar muita gente que consome em dólar, essa queda brutal costuma ser benéfica para as economias nacionais, afinal os produtos importados ficam mais caros e a população passa a consumir produtos locais, o que favorece a indústria regional. Essa ligação entre a cotação das moedas e a balança comercial figura nos mais básicos livros de economia, mas na vida real essa teoria nem sempre se aplica, ainda mais quando se trata de um país com um ambiente de negócios altamente desfavorável como é o caso do Brasil. O economista Antonio Corrêa de Lacerda comparou a oscilação do real frente às moedas dos 15 países com os quais mais realiza transações, considerando as inflações locais, e observou que o Brasil atingiu em 2020 a melhor competitividade em relação a outras moedas desde 2003. “Todas as moedas se desvalorizaram, mas o Brasil teve uma desvalorização ainda maior”, diz Lacerda, um dos autores do levantamento e professor de economia da PUC-SP. Apesar dessa latente vantagem do real, a balança comercial brasileira não vem se prevalecendo proporcionalmente, principalmente no que se refere aos produtos industrializados.

    Dados do Ministério da Economia mostram que de janeiro a maio de 2020 as exportações brasileiras caíram 7,2% em relação ao mesmo período do ano anterior. Os produtos manufaturados foram os mais afetados: caíram 25%, enquanto os semimanufaturados retraíram 7,5%. É claro que a pandemia do novo coronavírus influenciou nesse quadro, mas não é só isso. Dados do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) mostram que a queda da participação da indústria nas exportações brasileiras vem ocorrendo desde 1993. Em 2019, os produtos industriais exportados tiveram o menor índice de participação nas exportações totais desde 1989, início da série histórica. Além disso, de 2009 a 2019, a exportação dos manufaturados cresceu apenas 1%, um número muito baixo, principalmente se tratando de uma cadeia de produção longa fundamental para a geração de empregos.

    Especialistas avaliam que os principais entraves da indústria brasileira é o contexto econômico e social na qual está inserida, que elevam o seu custo de produção. “Nosso país se tornou muito complicado para as famílias e para as empresas. As famílias se acostumam, mas as empresas não, principalmente porque enfrentam competidores internacionais”, diz Claudio Roberto Frischtak, sócio-gestor da InterB e ex-economista principal para indústria e energia do Banco Mundial. A instabilidade macroeconômica, por exemplo, é um dos principais entraves para o desenvolvimento do Brasil. Desde 2014, a dívida pública brasileira vem crescendo em relação ao PIB, o que encarece o crédito e aumenta o risco do País. Nesse contexto, os investidores partem para países mais seguros e, a modernização da indústria, dependente desses recursos, fica estagnada.

    A insegurança normativa e jurídica do país também é um elemento que prejudica as exportações. “As decisões tomadas no poder judiciário muitas vezes seguem uma lógica que ninguém consegue entender. Diferentemente de outros países, empresas grandes brasileiras estão sujeitas a milhares de ações”, diz Frischtak, da Inter B. Essa insegurança se dá por causa de um fator cultural, o chamado “jeitinho brasileiro”: a falta de confiança e cumprimento de acordos entre as partes aumenta a judicialização das relações. Além disso, o próprio sistema judiciário brasileiro é complexo. Um estudo de 2018 do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) mostrou que desde a Constituição Federal de 1988, mais de 5,8 milhões de normas foram editadas, ou seja, 774 por dia útil. Sem uma jurisprudência única, as ações são passíveis às mais diferentes interpretações, conforme o entendimento de cada juiz. Outro fator que contribui com o pesado sistema brasileiro é a instabilidade e a complexidade das decisões das agências regulatórias, o que torna os ambientes de negócios e complexos e de difícil entendimento pelos profissionais.

    A pesada e complicada carga tributária também prejudicam a produtividade do País. O mesmo estudo do IBPT mostrou que, em matéria tributária, foram mais de 1,92 normas editadas por hora em 30 anos. No período foram criadas 16 emendas constitucionais tributárias e novos impostos como CPMF, COFINS, CIDES, CIP, CSLL. Para tornar ainda mais complicada a vida do brasileiro, em média cada norma possui três mil palavras. “Muitas empresas que querem vender para o mercado brasileiro se instalam no Uruguai e no Paraguai. É muito mais fácil fazer qualquer atividade lá do que aqui”, diz o economista Roberto Luis Troster.

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    Como se não bastasse, as empresas ainda enfrentam uma enorme dificuldade para conseguir mão de obra qualificada. O sistema “S”, iniciativa da própria indústria, ameniza esse quadro, mas o sucateamento progressivo do sistema de ensino público básico brasileiro tornou ainda mais difícil recuperar as deficiências que começam a surgir logo nos primeiros anos de vida. É difícil para as empresas encontrar mão de obra qualificada enquanto a mais recente edição do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), de 2017, mostrou que 60,5% dos alunos saíram do ensino fundamental sem aprender o suficiente em português e 63,1% em matemática.

    Nesse difícil percurso percorrido pelas empresas no país, que ainda enfrentam a baixa qualidade de estradas e a subutilização das hidrovias, o desafio para aumentar a competitividade brasileira é enorme. Não à toa, o País está em 124º lugar na lista de 190 países no índice de produtividade “Doing Business”, do Banco Mundial. É o caso de cortar na raiz práticas que há décadas se incrustaram na sociedade brasileira. Os primeiros passos têm de ser dados e as reformas administrativas e tributárias, na fila para acontecer, precisam caminhar. Somente assim o país não perderá a oportunidade de extrair os benefícios econômicos da desvalorização do real e de aproveitar o momento para curar e redirecionar suas debilidades de desenvolvimento.

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