Guerreiro implacável, o general macedônio Pirro entrou para a história ao vencer os romanos em uma batalha que, de tão árdua, praticamente aniquilou seu próprio exército. Daí a utilização do termo “vitória de Pirro” em situações em que uma conquista nem sempre significa algo positivo. É nessa situação desconfortável que se encontra o ministro da Economia, Paulo Guedes. Na segunda 23, depois que o presidente Jair Bolsonaro defenestrou da presidência da Petrobras o executivo José Mauro Coelho, que estava havia apenas quarenta dias no cargo, Guedes emplacou um membro de sua equipe, o secretário de Desburocratização, Caio Mário Paes de Andrade, no comando da estatal. O movimento aconteceu duas semanas após o presidente ter nomeado para o cargo de ministro das Minas e Energia outro nome próximo a Guedes, seu assessor especial, Adolfo Sachsida, em substituição ao almirante Bento Albuquerque. Com as duas movimentações, o Posto Ipiranga de Bolsonaro se tornou o homem forte na petroleira e o principal responsável por impedir que a alta dos combustíveis toque fogo nos planos de Bolsonaro à reeleição.
Trata-se de uma tarefa hercúlea. O primeiro desafio será colocar de fato Paes de Andrade. Para que isso aconteça, ele terá de ser ungido ao cargo por um comitê de recursos humanos e pelo Conselho de Administração da empresa. Em março seu nome chegou a ser cogitado para substituir o antecessor de Coelho, o general Joaquim Silva e Luna, mas foi preterido em favor do consultor Adriano Pires — que posteriormente desistiria da indicação por conflito de interesses. Entre os argumentos para o descarte de sua candidatura estavam a pouca experiência no ramo de energia e petróleo e o risco de rejeição pelas instâncias de decisão da companhia. Agora, o governo prepara uma alteração no conselho da estatal para garantir a nomeação, mas mesmo assim sua oficialização no cargo não deve acontecer antes de quarenta dias.
Se conduzido ao cargo, Paes de Andrade terá a missão de pôr em prática o plano imaginado por Guedes e sua equipe para conter o impacto das variações no preço do petróleo, provocadas principalmente pela instabilidade do mercado internacional. Nos últimos doze meses, o preço da gasolina acumulou mais que o dobro da variação da inflação, de 12,2%. O diesel subiu 48,48%, quatro vezes mais que a prévia do IPCA acumulado em maio. A proposta do ministro é congelar os repasses dos custos internacionais aos preços da estatal por um período de 100 dias ou mais e fazer o alinhamento a partir de uma média móvel ao fim desse intervalo. Com isso, seria possível controlar os constantes reajustes que causam tanta aflição aos consumidores e, principalmente, ao presidente Bolsonaro. Problema: não será fácil para o futuro comandante da petroleira convencer os acionistas minoritários desse plano.
Embora a tese de Guedes tenha vencido, havia outro caminho. Lideranças políticas como o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o presidente da Câmara, Arthur Lira, apoiavam a criação de um fundo formado a partir dos dividendos pagos ao governo pela Petrobras para subsidiar o preço do diesel. Tal medida iria ultrapassar o limite de teto de gastos, mas, diante do quadro atual — saída da pandemia e a guerra da Ucrânia —, tal medida poderia ser aprovada em caráter excepcional. O combustível é estratégico pelo seu impacto na categoria dos caminhoneiros, parte relevante da base de apoio político de Bolsonaro. Apesar de as discussões estarem avançadas, Guedes sempre rechaçou esse caminho. Segundo um alto executivo da Petrobras, em uma reunião recente, o ministro alegou que o governo conta com os recursos provenientes do lucro da empresa para custear outras despesas.
Em apenas três anos e meio, Bolsonaro já demitiu três presidentes da Petrobras. Tamanha rotatividade só encontra paralelo nos dois anos e oito meses de duração do governo de Fernando Collor, no início dos anos 1990, e reflete quanto é delicada a questão dos preços dos combustíveis no atual contexto eleitoral. Também traduz a maneira mercurial com que o presidente da República lida com o assunto. “Bolsonaro ora trata a empresa como entrave e vilã. Ora quer mandar lá, ora fala em privatizar para tentar se afastar da gestão”, avalia Elena Landau, chefe de privatizações do BNDES durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.
Em entrevista na quarta 25, em Davos, na Suíça, onde participa do encontro do Fórum Econômico Mundial, Guedes preferiu minimizar seu poder nos destinos da estatal. “O presidente nomeia o ministro de Minas e Energia, o ministro nomeia o conselho da Petrobras, o conselho e os acionistas decidem sobre o CEO. Então eu não sei por que vocês insistem em me perguntar sobre isso”, disse ele depois de ouvir uma pergunta sobre o futuro da petroleira e dos reajustes de combustível. No fundo, assim como aconteceu como o macedônio Pirro, Guedes já sabe que sua maior conquista nessa fase final do governo pode, no fundo, acabar com sabor de derrota.
Com reportagem de Luana Meneghetti
Publicado em VEJA de 1 de junho de 2022, edição nº 2791