“Se você viaja da Argentina e volta em vinte dias, tudo está mudado; mas, se volta em vinte anos, nada mudou.” A frase circulou nas redes sociais após a contundente vitória de Cristina Kirchner na votação do último domingo, 11. Não era a votação que realmente conta, apenas uma prévia: a eleição presidencial será em outubro. E Cristina é só candidata a vice-presidente. Mas ninguém por lá se ilude — após o longo governo Kirchner (primeiro com Néstor e depois com Cristina), a próxima eleição será uma espécie de referendo sobre as políticas heterodoxas do casal. A julgar pela resposta nas urnas, elas podem voltar bem antes do que se esperava.
Pode acontecer o mesmo no Brasil? É preciso cuidado na comparação entre as duas maiores economias da América do Sul. A Argentina viveu uma hiperinflação nos anos 80 e acabou experimentando uma dolarização que jamais vimos por aqui. É um dos dramas atuais do presidente Macri: a desvalorização do peso fez disparar a inflação, hoje em 55% ao ano. O PIB argentino deve cair cerca de 2% em 2019. Por aqui, tivemos um longo período de descontrole de preços, mas não exatamente uma hiperinflação. E a correção monetária, uma de nossas jabuticabas, limitou a dolarização da economia. Mesmo com todo o delírio econômico de Dilma, mantivemos uma economia muito mais organizada: nossa inflação baixou para menos de 4% e devemos ter um soprinho de crescimento neste ano.
“Tão importante quanto o tamanho do ajuste fiscal é sua qualidade”
Mas há evidentes paralelos. Ambos os países aproveitaram a farra derivada da ascensão chinesa, e seus governantes batiam recordes de popularidade. Depois veio a conta do intervencionismo e da gastança, que ainda vamos pagar por muito tempo. Governos de direita tiveram sua chance de mostrar a que vieram. Por aqui, Michel Temer concluiu um mandato-tampão com uma agenda liberal e saiu pela porta dos fundos, mas as políticas tiveram continuidade com Bolsonaro. Por lá, Macri rapidamente virou estrela nos salões de Davos e parecia que ia fazer a Argentina decolar com juras ao capital privado. Num cenário caótico, anunciou o congelamento do preço da gasolina e aumentou o salário mínimo.
Como sustentar politicamente medidas de ajuste? Essa é uma questão vital não apenas na América Latina mas em muitos países ricos, especialmente na Europa. O economista italiano Alberto Alesina, da Universidade Harvard, é um dos pais da economia política, área que pretende investigar as interações entre o mundo econômico e o político. Tão importante quanto o tamanho do ajuste fiscal, diz ele, é sua qualidade: corte de gastos é superior a aumento de impostos por gerar menos impacto negativo na economia — e menos reação contrária dos eleitores. Talvez resida aí o erro primordial de Macri: embora ele tenha cortado subsídios e realizado algumas reformas, quase não mexeu no déficit público, o problema central. Vai ser difícil convencer o eleitor a aceitar isso agora.
E assim a Argentina segue na armadilha populista que faz o tempo parecer não passar. A lição: no fim das contas, é o eleitor que dita o rumo. Sem a política, a economia não se sustenta. ƒ
Publicado em VEJA de 21 de agosto de 2019, edição nº 2648