Pouco importa se a vacina contra a Covid-19 da Moderna vai funcionar, os executivos da farmacêutica americana já estão 1,35 bilhão de reais mais ricos. E não é só por possuírem ações da empresa que avança no desenvolvimento do imunizante. É porque eles andaram vendendo papéis da empresa neste ano na bolsa americana, embolsando o dinheiro. Juntos venderam 250 milhões de dólares, ou o 1,35 bilhão de reais mencionado. O movimento deixou investidores ressabiados. Afinal, o que esses executivos saberiam que os fariam vender as ações da empresa no meio da pandemia e antes da vacina que a empresa desenvolve realmente funcionar? Jay Clayton, o xerife do mercado financeiro americano que comanda a SEC (comissão de valores mobiliários dos EUA), chegou a dizer em uma entrevista em maio que a administração da Moderna deveria praticar “boa higiene corporativa” e evitar transações que possam fazer as pessoas pensarem que estão fazendo “algo inapropriado”. A lei americana, no entanto, permite que eles vendam as ações. E eles aproveitaram. Os executivos continuam com parte relevante do capital da empresa, mas presidente, vice-presidente diretores e até o chefe médico da companhia, Zaks Tal Zvi, venderam parte dos papéis que possuíam para aproveitar a onda. No início do ano, os papéis da companhia valiam cerca de 19 dólares. O governo americano então anunciou que ia injetar dinheiro na empresa para a compra da sua vacina. A partir disso, o valor da ação explodiu e chegou a bater 94,85 dólares, em julho. Na segunda-feira, 11, fechou a 72 dólares. Mas, afinal, há algum mistério rondando a vacina da Moderna?
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Clique e AssineA resposta é: sim, há um ar de mistério no desenvolvimento do imunizante em relação a patentes. A Moderna trabalha uma vacina feita de RNA mensageiro e que para ter efeito precisa ser ministrada com nanopartículas lipídicas. Essas nanopartículas formam uma cápsula escorregadia, por conta dos óleos, que são preenchidas com o RNAm, e assim chegam mais fácil dentro das células. As tais nanopartículas lipídicas, conhecidas como tecnologia LNP, são algo tão novo que algumas patentes estão sendo concedidas somente agora pelos Estados Unidos. E aqui está a dúvida sobre o sucesso do negócio da Moderna. Em julho, ela contestou uma patente de tecnologia LNP concedida para uma pequena empresa canadense chamada Arbutus. A Moderna jura que sua vacina não precisa da tecnologia da Arbutus, pelo contrário, que eles possuem uma LNP deles mesmo e que vai muito além da que foi feita pela Arbutus. Mas o fato de ter contestado a patente deixou o mercado em alerta pela segunda vez.
A revista Forbes levantou suspeitas se de fato a Moderna não vai ferir a patente da Arbutus. Um dos pontos levantados pela revista é o histórico da Moderna com a Arbutus. Em 2016, o principal executivo da Moderna, Stephane Bancel, bateu na porta de uma pequena empresa canadense chamada Acuitas para obter acesso à tecnologia que faria a entrega das suas vacinas feitas à base de RNA mensageiro. Segundo a Forbes, a Acuitas foi fundada por Thomas Madden que teve uma pendenga trabalhista com a Tekmira Pharmaceuticals, empresa que havia se fundido com uma companhia para a qual Madden trabalhava e ele foi demitido por conta disso. Foi nessa briga judicial que Madden garantiu para si uma licença da tecnologia LNP, que ajudou a desenvolver.
Todo esse imbróglio afeta a Moderna porque Bancel adquiriu a tecnologia da Acuitas e não da Tekmira. A Tekmira hoje se chama Arbutus e há alguns anos briga na Justiça com a Acuitas e até conseguiu uma decisão liminar que impede a concorrente de sublicenciar a tecnologia. Resumindo: se a tecnologia LNP da Moderna ferir a patente da Arbutus, mesmo que sua vacina seja um sucesso contra a Covid, as ações da farmacêutica podem perder valor. E os investidores nem poderão reclamar porque os formulários enviados pela Moderna à SEC avisam sobre os riscos envolvendo questões sobre patentes. Uma coisa é certa: se a vacina da Moderna funcionar, não será esta questão de patentes que vai impedir que ela chegue à população.