Um operador independente na França acumulou ações futuras equivalentes a 6,6 bilhões de dólares em um único dia, o que criou dúvidas entre os investidores sobre como ele conseguiu montar uma posição tão robusta apesar de ter apenas 20 mil euros (23,3 mil dólares) em sua conta na corretora.
Salvaguardas da indústria financeira foram reforçadas nos últimos dez anos depois de o operador Jerome Kerviel ter causado ao banco francês Société Générale um prejuízo de 4,9 bilhões de euros (5,7 bilhões de dólares). As empresas financeiras também adotam controles internos para impedir que operadores individuais assumam posições tão expressivas.
Harouna Traore, no entanto, conseguiu comprar 43.941 contratos futuros do S&P 500 avaliados em 5,3 bilhões de dólares. Também adquiriu 34.388 contratos futuros do Eurostoxx 50, no valor de 1,2 bilhão de euros (1,4 bilhão de dólares), em 29 de junho do ano passado. Os negócios foram feitos por meio da corretora londrina Valbury Capital, segundo registros de operações vistos pela Reuters.
Quando contatado, Traore, de 41 anos, fez referência a um documento judicial, também visto pela Reuters, por meio do qual confirmou as operações. O documento afirma que os negócios foram resultado de um erro. Segundo Traore, ele inicialmente pensava que estava usando uma plataforma de treinamento, onde os limites de negócios não se aplicam, em vez de um ambiente real.
Traore está processando a Valbury Capital em um tribunal na França, alegando que a corretora ficou com os 11 milhões de dólares de lucro gerados por suas operações.
Procurada, a Valbury Capital recorreu ao advogado Robert Falkner, sócio do escritório de advocacia Reed Smith, que afirmou haver um limite contratual de operações na conta de Traore. Falkner não deu mais detalhes.
Um email de 16 de junho do ano passado da Valbury Capital para Traore, visto pela Reuters, afirma que a conta do investidor francês, de 20 mil euros, tinha um limite de operações de apenas 10 contratos futuros por dia.
“Houve um erro na conta dele”, disse Tarek Elmarhri, diretor do espaço de treinamento de negócios Krechendo, em Paris, cuja plataforma de negociação é usada por Traore e por outros investidores em operações diárias.
O erro permitiu que Traore “pudesse comprar um número sem limite de contratos” no sistema em que ele passou apenas oito semanas sendo treinado para usar, disse Elmarhri. Traore pediu para Elmarhri avaliar com ele as operações de 29 de junho, quando ele voltou ao espaço de treinamento Krechendo.
Nos parâmetros de risco da conta de Traore na Valbury Capital, segundo imagem da tela da conta vista, o crédito do usuário está indicado como “ilimitado”. As enormes posições acumuladas por Traore são muito maiores do que operadores experientes de bancos de investimentos podem comprar num dia de operações, disse Elmarhri.
Representantes da Financial Conduct Authority, da Inglaterra, e da francesa AMF não comentaram o assunto.
Choque
Os registros de negócios mostram que Traore primeiro negociou contratos futuros da Eurostoxx 50, na tarde de 29 de junho, uma posição que ele encerrou antes do fechamento do mercado europeu, o que o deixou com um prejuízo de 2,4 milhões de euros (2,8 milhões de dólares).
Ele então começou a negociar futuros do S&P500 e conseguiu fechar sua posição com um lucro de 13,6 milhões de dólares, embora pudesse ter sofrido uma perda de 100 milhões e 200 milhões de euros (116,7 milhões a 233,3 milhões de dólares) se os mercados acionários tivessem caído entre 3% e 4%, disse Elmarhri, da Krechendo.
Traore teve prejuízo de 900 euros (1.050 dólares) no ambiente de negociação da Krechendo, na manhã de 29 de junho, e acrescentou ter decidido ir para casa para praticar em uma versão de treinamento da plataforma.
Foi então que ele montou as enormes posições em contratos futuros. Ele afirmou que somente percebeu a realidade de suas apostas quando atingiu prejuízo da ordem de milhão de euros.
“Eu achei que era o fim da minha vida. Eu pensei: como eu vou pagar tudo isso?”, disse Traore. Foi nesse momento que decidiu tentar fazer mais negócios para alcançar lucro. Quando conseguiu, Traore ficou em casa no dia seguinte.
“Eu estava em choque”, afirmou.
Traore afirmou ter recebido comunicados normais da Valbury Capital no dia seguinte e não ter mantido nenhum contato com a corretora antes de ligar para ela, na semana seguinte, para explicar o que acontecera.
O operador afirmou que não foi alertado, antes de fazer suas apostas bilionárias, que sua conta não tinha limites e negou que sabia que estava negociando em uma plataforma real.
Elmarhri afirmou que, como Traore acertou suas operações com lucro antes da conclusão dos negócios, suas posições gigantes em contratos futuros passaram desapercebidas até a semana seguinte.
“Isso pode acontecer de novo, as regras atuais não são efetivas”, disse Elmarhri, ressaltando que os limites de operações devem ser estritamente implementados pelos operadores.
Traore trabalhou entre 2013 e 2017 para a Thomson Reuters, a companhia controladora da Reuters, conforme mostra seu perfil no LinkedIn.
(Com Reuters)