A inflação acumulada em 12 meses, em 10,36%, é um prenúncio de que Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mais uma vez, ultrapassará o teto da meta estabelecida pelo governo em 2016, em 6,50%. O cenário de recessão, com desemprego em alta e aperto no crédito, deveria, em tese, frear a inflação. Mas o reflexo da alta de preços do passado no futuro — efeito denominado inércia inflacionária — não dará alívio para o bolso do consumidor. “Aumento do desemprego, contração da renda real e outros fatores apontam para baixa da inflação – mas o que impede esse movimento é o componente inercial”, explica Thiago Curado, sócio da 4E Consultoria.
No ano passado a alta de preços foi impulsionada, sobretudo pela correção dos preços administrados, como transporte, gasolina e energia, e também pelo avanço do dólar. O IPCA de 2015 ficou em 10,67%, o maior desde 2002. Para Curado, uma inflação tão elevada como a registrada no ano passado acaba afetando 2016, via preços administrados e reajuste de salários. “Começamos 2016 com uma pressão inflacionária muito grande. A inércia é um processo contínuo, e se há um trimestre com um choque [de preços], isso é sentido nos trimestres seguintes”, acrescenta o economista.
Ainda que os preços administrados não subam este ano com a mesma força do ano passado, eles ainda devem pressionar a inflação, acredita o analista da área da Tendências Consultoria, Márcio Milan. “Os preços administrados darão um alívio em 2016, sobretudo energia e combustíveis, mas continuarão a puxar a inflação para cima”, diz. “Apesar de haver uma boa desaceleração sobre 2015, a inflação ainda ficará em um patamar bastante incômodo – e, inclusive, acima do teto da meta”, sentencia.
Cerca de 70% dos preços são reajustados pela inflação passada, segundo estimativa do banco Credit Suisse. “Alguns são reajustados de acordo com o IGP ou o IPCA. Então tem esse carregamento”, faz coro Leonardo Costa, economista da Rosenberg & Associados. “Está bem difícil de a inflação fechar no teto da meta este ano.”
O economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, atenta para o peso do setor de serviços no resultado. “Um ponto fundamental é o quão forte e resistente é essa inércia, particularmente em serviços, que tem resistido em cerca de 8,5% há muito tempo”, diz. “O mercado de trabalho começou a se deteriorar até meados de 2014, mas a influência sobre os serviços não foi sentida. O impacto da inércia sobre os serviços é uma das principais dúvidas”, reforça.
O cenário de incerteza política, com o avanço da Operação Lava Jato redobrando as apostas de impeachment da presidente Dilma Rousseff, só torna o cenário ainda mais nebuloso. A crise política estimula os agentes econômicos a olhar no retrovisor e basear suas expectativas na inflação passada. Com isso, ainda segundo a pesquisa Focus, o IPCA não retornará ao centro da meta atual, de 4,5%, nem em 2020. Para o fechamento do índice este ano, a expectativa é de uma alta de 7,59%.
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Cálculo – Além de um conceito abstrato, a inércia inflacionária também é um dado concreto. Ela é calculada pelo BC com base no impacto do último trimestre do ano sobre a inflação do ano seguinte. A conta desconsidera, portanto, o efeito do aumento dos administrados sobre os demais preços ao longo do ano. Além disso, o BC utiliza para o cálculo da inércia a parcela da inflação que excedeu a meta no último trimestre do ano anterior, o que torna o cálculo bastante restrito.
Considerando essa metodologia, no ano passado, estima-se que o a inércia respondeu por apenas 0,33 ponto percentual da inflação, número que, segundo o mercado, deve ser cerca de quatro vezes superior este ano.