Fábio Coelho, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), afirma que uma fraude nas dimensões da que descoberta na Americanas, que superou os 25 bilhões de reais, deixa muitas lições e estímulos para melhorar leis e processos das empresas listadas na bolsa.
“Toda vez que passamos por problemas semelhantes, no Brasil e no exterior, é muito comum que a regulação de empresas ou do setor financeiro, dependendo da origem, seja aperfeiçoada na sequência”, diz.
Do lado regulatório, Coelho cita iniciativas de projetos de lei que buscam combater fraudes no mercado de capitais. Um deles é o projeto de lei 2091, de 2023, que introduz novos tipos penais nas leis das Sociedades Anônimas e que atualmente tramita na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.
Outra iniciativa importante para aumentar a segurança dos investidores, diz ele em entrevista à VEJA Negócios, é a proposta da B3 de endurecer as regras do Novo Mercado, o grupo que reúne empresas que seguem os níveis mais altos de governança da bolsa brasileira.
Uma das mudanças mais efetivas propostas pela B3 é mexer com o bolso dos executivos por meio da regra de clawback. Cada vez mais comum em planos de remuneração de grandes empresas no exterior, a cláusula obriga executivos culpados por fraudes a devolver os bônus recebidos no período em que cometeram os crimes. A proposta encontra-se em consulta pública.
Mestre em finanças e doutor em economia, Coelho analisou a complexidade da fraude das Americanas, sua ligação com a cultura corporativa e a valorização dos mecanismos de governança e controle. Confira os principais trechos da conversa:
VEJA Negócios: Quando as fraudes envolvem o alto escalão, não há um mecanismo de governança que consiga proteger a empresa?
Fábio Coelho: É essencial separar um contexto de fraude de outros mecanismos de problemas relacionados ao mundo corporativo. A gente está falando aqui de ilícitos que ganham contornos de crime, em que investidores, empresas de auditoria e todas as partes interessadas receberam informações distorcidas. Todas as análises feitas dali para frente ficaram comprometidas, por conta dessa falsidade de informações.
Os mecanismos disponíveis para os investidores e para outras partes interessadas, até instâncias de governança dentro da companhia, ficam limitados no contexto onde você tem as peças de fraude.
VEJA Negócios: Quanto a cultura de uma empresa a torna suscetível a fraudes envolvendo executivos de alto escalão?
Fábio Coelho: Um dos pontos importantes da origem de problemas dessa natureza vem exatamente dessa cultura de negligenciar a governança corporativa. A questão dos controles internos é vista como burocracia para empresas que navegam em uma situação como essa.
VEJA Negócios: Quais são os principais sinais que as companhias dão aos investidores de compromisso com a governança corporativa e mecanismos de controle?
Fábio Coelho: Sem sombra de dúvida, aliar mecanismos de melhoria da cultura corporativa, de valorização das instâncias da governança da responsabilidade dos controles internos, ao funcionamento dos órgãos de controle. Estou me referindo ao conselho de administração, às áreas de controle interno e ao comitê de auditoria. Especialmente para empresas listadas, é também fundamental sinalizar que tem um número de independentes no seu conselho de administração. Permitir que membros externos adentrem na governança é uma sinalização importante para o mercado. A maneira como os gestores tratam a sua base acionária diz muito sobre a postura da companhia.
VEJA Negócios: O que mais um investidor deve observar ao avaliar uma companhia?
Fábio Coelho: Um outro ponto é a remuneração dos executivos. Ela tem alinhamento de longo prazo, ou seja, se os executivos não são incentivados a ganhar tudo num ano só e depois sair da empresa, ou até fazer algo errado para acelerar o recebimento dos bônus.
VEJA Negócios: O que um caso como a Americanas ensina aos investidores?
Fábio Coelho: A maior lição é a valorização que vai se dar daqui para frente com essas instâncias e camadas de proteção nas empresas brasileiras. Toda vez que passamos por problemas semelhantes, no Brasil e no exterior, é muito comum que a regulação de empresas ou do setor financeiro, dependendo da origem, seja aperfeiçoada na sequência. O Banco Central teve um aprendizado enorme com problemas que aconteceram em bancos, principalmente na década de 90.
A CVM fechou várias portas no passado para problemas que tivemos com fraudes, como a dos derivativos. Não vai ser diferente dessa vez. Há um grande número de projetos de lei tramitando no Congresso Nacional para estabelecer mais regras e controles do ponto de vista de auditoria. A gente viu recentemente a Bolsa colocar em consulta pública as mudanças das regras do Novo Mercado, propondo mais peso para o comitê de auditoria.
Veja Negócios: Nesta consulta pública da B3, quais são as propostas mais importantes?
Fábio Coelho: A regra de clawback que permite obrigar executivos responsabilizados por problemas dessa natureza a devolver os bônus recebidos durante o período em que cometeram infrações. Eu incluiria nessa lista a questão do número de independentes dentro do conselho. Hoje, a regra da B3 exige um mínimo de 2 ou 20% do total, o que for maior. A B3 está propondo aumentar isso de 20% para 30%. É um aumento tímido, mas que vai na direção correta. A regra internacional de boas práticas já sugere que o número seja 50%.
Há também a possibilidade de você oferecer uma inabilitação para administradores que comprovadamente cometeram problemas dessa natureza. A B3 sugere também que os comitês de auditoria ganhem ainda mais independência e passem a ter um caráter estatutário. Por último, ela sugere que os presidentes dos conselhos de administração e os representantes tenham uma limitação de número de empresas onde eles possam trabalhar, que a gente chama de regra de overboarding.