Depoimentos do doleiro Alberto Youssef e do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, nos termos de delação premiada da Lava Jato, revelam um verdadeiro mar de negociatas por trás da criação da Quattor, que foi a segunda maior petroquímica do país, antes de ser adquirida pela Braskem, em 2010.
Segundo o doleiro, em 2005, o presidente da petroquímica Unipar, Frank Geyer, procurou o deputado José Janene (PP-PR) para tentar viabilizar uma joint venture com a Petrobras na criação de uma nova empresa grande o suficiente para fazer frente à Braskem, controlada pela Odebrecht. Nascia então o embrião da Quattor.
Janene, que morreu em 2010, articulou a empreitada com Paulo Roberto Costa e fixou uma ‘comissão’ de 18 milhões de reais pelo negócio. Segundo Youssef, o então deputado do PP Mario Negromonte teria ‘atravessado’ a negociação e recebido 12 milhões de reais em nome do partido – dos quais apenas 1,5 milhão foram repassados a Janene.
Frustrado com a ‘intervenção’, Janene teria pressionado o dono da Unipar exigindo que, além dos 12 milhões pagos a Negromonte, houvesse o pagamento adicional de 9 milhões de reais por ele ter feito a aproximação com Paulo Roberto Costa. Ainda segundo o doleiro, que se encarregou dos desembolsos de propina por meio de empresas de fachada, Janene chegou a ameaçar Frank Geyer afirmando que se a ‘comissão’ extra não fosse paga, o empresário poderia perder o controle da Quattor, além de outros embaraços que poderiam ser causados pelo ex-diretor da estatal.
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Ainda de acordo com a delação, depois de criada a empresa, em meados de 2008, Paulo Roberto Costa articulou outro esquema para viabilizar o pagamento de propinas. Por meio da Petrobras, vendia matéria prima para a Quattor, como o nafta, a valores abaixo dos que eram praticados no mercado. “O valor desses produtos era ajustado perante a diretoria ocupada por Paulo Roberto Costa, que levava ao colegiado da Petrobras uma proposta que atendesse aos interesses da Quattor”, diz o termo da delação.
Em contrapartida, a Quattor desembolsava uma comissão sobre o valor de cada transação de compra da Petrobras, da qual José Janene e Paulo Roberto eram os principais beneficiários, com 60% e 30% de participação, respectivamente. Os outros 10% restantes de propina eram divididos entre Youssef e o ex-assessor do PP, João Genu. De acordo com Youssef, o esquema de cobrança de preços abaixo de valores de mercado em troca de propina era replicado desde 2006 na Braskem, que posteriormente comprou a Quattor.
A delação de Youssef não é a primeira suspeita que recai sobre os negócios da Petrobras no setor petroquímico. Em 2007, ao mesmo tempo em que negociava com a Unipar a criação da Quattor, a empresa comprou a Suzano Petroquímica por 2,7 bilhões de reais, num negócio investigado pelo Ministério Público Federal. Ocorre que, à época, o valor de mercado da Suzano na bolsa de valores não passava de 1,2 bilhão de reais.
Negócio estranho – No depoimento de Paulo Roberto Costa, o ex-diretor considerou o negócio com a Suzano “um pouco estranho”. O delator afirmou que tanto a área de novos negócios como os bancos que assessoravam a Petrobras estabeleceram limites máximo e mínimo para a compra da Suzano – e que era de praxe que, visando atender os interesses da Petrobras, fossem fixados valores próximos do mínimo. Mas teria causado “surpresa” a Paulo Roberto que “a negociação tenha sido fechada em um patamar bem superior ao valor mais baixo face a uma decisão unilateral do então presidente Sérgio Gabrielli”.
Segundo Paulo Roberto, Gabrielli convocou uma reunião em São Paulo especialmente para tratar do assunto, sem dar maiores detalhes sobre o porquê do valor estabelecido. A compra foi chancelada também pelo Conselho de Administração, de acordo com o ex-diretor. Na época, lembra Costa, faziam parte do conselho a presidente Dilma Rousseff, o empresário Jorge Gerdau e o próprio Gabrielli.
Se muitos analistas e investidores ficaram sem entender a compra “estranha” da Suzano, parte da história parecia ser explicada depois da criação da Quattor. Eles julgavam que a associação com a Unipar, expoente do setor privado, era uma forma de escapar das insinuações de estatismo. Mal sabiam eles que origem da Quattor, tudo indica, guardava um histórico tão ou mais sombrio que a compra da Suzano.
Na consolidação do setor petroquímico, a Petrobras não só viabilizou a criação da Quattor, como também elevou sua participação na própria Braskem. Numa triangulação que jamais foi contestada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a estatal detinha participação expressiva nas duas maiores petroquímicas do país – das quais também era a principal fornecedora.
Pasadena do setor químico – A trajetória da Quattor foi fugaz. Menos de dois anos após sua criação, a gigante que chegou a faturar 9 bilhões de reais foi parar na bacia das almas, com um endividamento de mais de 6 bilhões de reais. Diante disso, a empresa poderia sobreviver em apenas duas situações: se houvesse a entrada de um sócio investidor de peso, ou se a Braskem se disponibilizasse a comprá-la. Nem mesmo a compra de nafta da Petrobras a preço camarada havia sido suficiente para segurar a sangria no caixa da empresa. No final, depois de meses de negociações, a Unipar vendeu sua fatia de 60% na Quattor para a Braskem por 870 milhões de reais.
A Petrobras não só se manteve no negócio como injetou mais 2,5 bilhões de reais na operação para manter sua participação na nova gigante que se formava. Segundo informou a coluna Radar On-line, do site de VEJA, na época da venda, a compra da Quattor pela Braskem agradava muito ao governo. Dilma Rousseff, então presidente do conselho de administração da estatal e ministra-chefe da Casa Civil, teria dito à empresa em apuros que já era hora de ser vendida para a Braskem.