Os apagões que atormentam cada vez mais a cidade de São Paulo poderiam sofrer uma forte redução, se o enterramento da rede elétrica fosse levado a sério. A avaliação é de Sidney Simonaggio, engenheiro e advogado especializado em energia. “Uma rede subterrânea é viável em cerca de metade da capital”, diz.
Com uma área de 1 521 quilômetros quadrados e mais de 11 milhões de habitantes, São Paulo é a cidade mais adensada do país, o que facilitaria o trabalho. Segundo Simonaggio, em média, a área de concessão da Enel São Paulo conta com 1 600 unidades consumidoras por quilômetro quadrado. Como comparação, na cidade do Rio de Janeiro, atendida pela Light, a concentração é de apenas 350 unidades. Os bairros mais verticalizados da capital paulista chegam a 12 000 clientes por quilômetro quadrado.
O enterramento parcial da rede é adotado em várias das principais metrópoles do mundo. Em Nova York, nos Estados Unidos, 71% da malha é subterrânea, totalizando 150 mil quilômetros de cabos, ante 60 mil quilômetros de fios aéreos. Em Londres, na Inglaterra, um projeto de 1 bilhão de libras (cerca de 7,3 bilhões de reais) foi iniciado em 2020 com o objetivo de enterrar a fiação da região sul da cidade. Com conclusão prevista para 2027, a obra prevê a construção de 32 quilômetros de túneis com três metros de diâmetro.
Na capital paulista, as estimativas sobre a rede enterrada variam de 40 a 60 quilômetros, restando ainda cerca de 17 mil quilômetros de fiação exposta em postes. Em 2017, o então prefeito João Doria lançou o projeto “Cidade Linda Redes Aéreas”, que prometia enterrar 52 quilômetros de cabos elétricos e de telecomunicações em parceria com a Eletropaulo (atual Enel São Paulo) e a Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp). Sete anos depois, contudo, pouca coisa saiu do papel.
Os custos elevados são a maior dificuldade apontada pelos especialistas. Enterrar um quilômetro de cabos custa de dez a vinte vezes mais que o tradicional sistema com postes e fios aéreos. Para Simonaggio, a solução seria instituir uma contribuição de melhoria, a ser paga pelos clientes beneficiados com o projeto. Essas contribuições não seriam uma novidade em São Paulo, já que serviram para financiar a pavimentação de ruas no passado, entre outras iniciativas.
“Seria uma taxa pontual, paga apenas pelo prazo necessário para cobrir as despesas com a construção da rede subterrânea”, diz o especialista. “Deveria ser, também, proporcional ao valor do imóvel”.
A coordenação da empreitada deveria caber à prefeitura, já que os postes não contêm apenas fios elétricos, mas também cabos de internet, telecomunicações e TV paga. Além disso, obras no subsolo podem interferir em outros serviços, como as redes de água, esgoto e gás encanado. Por isso, o poder municipal deveria coordenar os trabalhos, a fim de que todas essas empresas se entendam.
Mesmo as áreas da cidade que não tivessem rede subterrânea de energia seriam beneficiadas. Como as galerias demandam menos manutenção, as equipes poderiam se concentrar nas áreas com fiação exposta, melhorando a manutenção preventiva e atuando mais rapidamente em casos de emergência. É claro que a rede subterrânea não é imune a falhas e sua manutenção, embora menos frequente, é apenas 10% mais barata que a da rede aérea. O motivo é que encontrar problemas em cabos enterrados requer muito mais tecnologia do que em cabos aéreos. “Construir e manter uma rede subterrânea não é barato, mas, se for bem-feito, compensa”, diz Simonaggio.
Após dois grandes apagões em menos de um ano – em novembro de 2023 e outubro de 2024 -, que afetaram milhões de paulistanos e causaram bilhões de reais em prejuízos, talvez seja a hora de a cidade de São Paulo deixar de tatear no escuro em busca de soluções e discutir seriamente o enterramento da rede elétrica.