O brasileiro começou o ano abastecendo seu carro ao preço médio de 4,5 reais por litro de gasolina e termina precisando pagar quase 7 reais — em alguns pontos do país o valor sobe para 8 reais. Trata-se de uma alta superior até mesmo à oscilação do petróleo no mercado internacional. A disparada dos preços dos combustíveis foi a face mais visível do descontrole da inflação e entra na categoria de fantasmas que, em 2021, voltaram a assombrar os brasileiros. Apesar de ainda estar longe dos índices dos anos 1980, o IPCA, indicador oficial de preços, chegou a ultrapassar os 10% nos últimos meses do ano, algo não visto desde 2016, e fez economistas temerem por um retrocesso em relação às conquistas iniciadas no Plano Real, na década de 90.
A tempestade perfeita que atingiu os índices tem origem no contexto internacional. As nuvens começaram a se acumular com a rápida retomada das atividades globais após a primeira onda de Covid-19, em 2020, e com o aumento do valor das commodities, fatores que elevaram a inflação em todo o mundo. Aqui, o baque foi pior. Com a instabilidade política e o governo de Jair Bolsonaro pressionando por aumento nos gastos às vésperas das eleições, a percepção de risco de insolvência das contas públicas pelo mercado cresceu. E isso se traduziu em desvalorização do real. Como as commodities, sejam alimentos ou combustíveis, são cotadas em dólar, o resultado é óbvio: quanto menos valorizado o real, maiores os preços.
Como em uma parábola bíblica, as adversidades vieram acompanhadas de falta de chuva, o que afetou o preço da energia elétrica. “Em 2021 tivemos uma convergência de fatores negativos que levarão a inflação demorar mais a ceder”, afirma Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e um dos criadores do Plano Real. Tal cenário, somado à perda do poder de compra das famílias, atingiu frontalmente a expectativa de recuperação da economia, exatamente quando se esperava que o avanço da vacinação facilitaria a retomada. O PIB do terceiro trimestre registrou queda de 0,1%, depois de uma baixa de 0,4% no segundo. Sinais de que 2022 exigirá esforços extraordinários — ou muita sorte — para que a má fase seja superada.
Publicado em VEJA de 29 de dezembro de 2021, edição nº 2770