Não bastasse a forte queda nas vendas que o setor automotivo tem observado desde 2020 — quando a pandemia de coronavírus eclodiu no Brasil –, as montadoras ainda precisam lidar com um problema de ordem de produção: a falta de componentes, uma crise global do setor. Estima-se que cada automóvel exija cerca de 600 semicondutores, que são importantes para a segurança, o consumo, o desempenho e o sistema multimídia dos veículos. Com a alta demanda por eletrônicos no período de isolamento social, os fornecedores não conseguem atender todos os pedidos. Sem os componentes, a entrega de carros novos atrasa. Em alguns casos, o consumidor tem de esperar por até 120 dias para receber um veículo zero quilômetro. Diante das adversidades, o mercado de usados vem ganhando espaço no cenário nacional.
No primeiro trimestre de 2021, foram registradas 3,5 milhões de unidades comercializadas, contra 3,1 milhões de transações no mesmo período de 2020, uma alta de 14,89%, de acordo com a Federação Nacional de Veículos Automotores (Fenabrave). Outra informação importante para se levar em conta na equação é a própria natureza da crise econômica, que comprometeu a renda dos brasileiros durante a pandemia. Além disso, a desvalorização cambial fez os preços de veículos novos dispararem. O Fiat Mobi, carro mais vendido do país em abril, é comercializado a partir 45.000 reais.
No caso dos novos, segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que considera emplacamentos, foram licenciados 527,9 mil veículos nos três primeiros meses de 2021, contra 558,1 mil no mesmo período do ano passado, uma queda de 5,4%. Em abril deste ano, foram vendidos 175 mil carros novos, contra 189 mil em março.
Com a crise de componentes, a produção também é baixa. Segundo a Anfavea, as concessionárias enfrentam problemas no abastecimento de carros novos desde novembro. Em abril, a rede operou com estoque suficiente para apenas 13 dias. A entidade ainda alerta para a possibilidade de interrupção pontual dos trabalhos em algumas fábricas. “Um estoque apertado, mas adequado considerando a situação”, considera Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea.
Em outras palavras, a situação está posta e não há muito o que ser feito para reverter a conjuntura. Para a retomada da indústria, o único mecanismo existente é a vacinação em massa, uma vez que a recuperação da economia e dos empregos também está ligada à aplicação das doses.
A Anfavea projeta a normalização dos estoques somente para o mês de dezembro, em vista que as linhas de produção dos fornecedores de semicondutores não serão otimizadas da noite para o dia. “O Brasil será um dos últimos mercados a retomar esse abastecimento. Acredito que a prioridade das empresas será o setor de eletrônicos, primeiramente. Vale ressaltar que os mercados asiático, europeu e norte-americano também devem ser abastecidos antes do Brasil”, analisa Milad Kalume Neto, gerente de desenvolvimento de negócios da consultoria automotiva Jato Dynamics. Historicamente, a indústria nacional conseguiu se superar de forma acelerada nas últimas crises, resta saber se as montadoras vão atingir tal proeza perante uma das maiores e mais complexas crises da história moderna.