A decisão do governo de criar um programa de crédito estimado em 4 bilhões de reais para entidades filantrópicas de saúde — como as Santas Casas de Misericórdia — com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) abriu uma crise no Conselho Curador do fundo, formado com dinheiro dos trabalhadores.
A gota d’água foi a publicação no Diário Oficial da União de resolução do ministro do Trabalho, Caio Vieira, reduzindo de 6,5% para 5% a remuneração que será recebida pelo FGTS nesses empréstimos. A resolução também ampliou de 2,16% para 3,66% o ganho (spread) que os bancos terão com essas operações. O montante a ser emprestado até o fim do ano subiu de 600 milhões de reais para 956 milhões de reais.
A resolução de Vieira pegou de surpresa integrantes do conselho, que já tinham definido as taxas para o programa. Integrantes do conselho argumentam que a MP que abriu a linha de crédito, editada em agosto e aprovada em comissão mista do Congresso na semana passada, desvirtua a finalidade do FGTS, que é investir em habitação, saneamento e mobilidade urbana, empreendimentos que gerem emprego.
“A medida é um desrespeito ao Conselho, além de irresponsável por super remunerar uma operação de capital de giro”, aponta a conselheira da CNI/CBIC no conselho, Maria Henriqueta Arantes Ferreira Alves.
Ela também criticou a redução da remuneração do empréstimo para 5% e o aumento do spread bancário. “Isso é gravíssimo! O FGTS já está emprestando com valor subsidiado e ficará sub-remunerado a favor dos bancos”, alerta.
Segundo ela, o BNDES, a Caixa e o Banco do Brasil vão receber quase que a mesma remuneração que o FGTS só para passar o dinheiro. “Como vou justificar com o meu CPF a transferência de dinheiro da rentabilidade do fundo para o spread do banco?”
Para ela, o uso do FGTS para bancar capital de giro (recursos que mantêm as atividades operacionais rotineiras) das filantrópicas vai na contramão da finalidade do fundo, que administra 550 bilhões de reais em ativos. A resolução terá ainda de ser aprovada pelo conselho curador, que mesmo contrário à MP terá de regulamentá-la, por ter força de lei e entrar em a vigorar com sua edição.
Votação
Relator da proposta na comissão mista do Congresso, o senador Lasier Martins (PSD-RS) diz que os críticos à medida representam uma “minoria” no conselho curador. “O FGTS tem um sentido social e, principalmente, de proteger o trabalhador. Os beneficiários (da MP) são justamente os trabalhadores, que são os mais atendidos em hospitais filantrópicos e Santas Casas. Estamos diante de um conflito entre construção civil e saúde pública. O que é mais importante?”
Após ser aprovada na comissão mista, a proposta precisa passar pelos plenários da Câmara e do Senado. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que pretende pautar a medida na semana seguinte ao primeiro turno das eleições. Para Maia, as críticas de parte do conselho são “absurdas”. “A MP vai ajudar a reorganizar um setor fundamental, que é a saúde”, disse Maia.
O diretor-geral da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB), José Luiz Spilogon, rebate os argumentos dos conselheiros. Ele explica que o recurso servirá, sim, para garantir a manutenção de empregos ligados a esse serviço. “Os hospitais beneficiados pela MP têm 940.000 postos de trabalho ou pessoas empregadas em regime CLT e 184.000 médicos que trabalham como autônomos, todos pagam FGTS.”
Segundo ele, a crise fechou 218 hospitais e Santas Casas, o que representa 11.000 leitos a menos e quase 40.000 postos de trabalho fechados.