Desde que a equipe econômica do governo detectou que o avanço da pandemia de Covid-19 impactaria de forma brutal a economia brasileira, diversas medidas têm sido colocadas em prática para evitar o pior. Uma das prioritárias foi lançada pelo Banco Central. Mais de 200 bilhões de reais em depósitos compulsórios foram liberados para os bancos emprestarem como desejarem e a taxa básica de juros (Selic) foi derrubada para 3% ao ano, a menor da história. Mas maiores bancos do país veem os impactos econômicos da pandemia do novo coronavírus de forma distinta. O Bradesco e o Itaú, os maiores bancos privados do país, elevaram suas provisões contra inadimplência, adotando uma postura mais prudente. O Santander, o terceiro maior privado, afirmou que poderá fazer o mesmo mais à frente. Apenas o Banco do Brasil tem sido mais permissivo — ao menos é o que o mostra o balanço do banco público. Em linhas gerais, isso significa que haverá menos capital para crédito nos maiores bancos privados em relação às demais instituições financeiras, pois os primeiros estão reservando mais caixa para cobrir um provável aumento dos calotes por parte de seus clientes — sejam eles pessoas físicas ou empresas. Além disso, com o aumento do risco, isso significa que o crédito também ficará mais caro, principalmente para os clientes mais necessitados. Ou seja, ainda que a Selic esteja ao menor nível histórico, o acesso a crédito e empréstimos será limitado e mais caro.
Os movimentos opostos entre os bancos mostram também que a paralisação momentânea da economia está adicionando um enorme grau de incerteza ao mercado financeiro. Não se sabe ao certo quanto tempo a pandemia ainda afetará o país, nem quando se dará o fim das medidas de isolamento que, hoje, estrangulam diversas cadeias produtivas para salvar vidas. Além disso, não há uma previsão sobre quantas empresas irão sucumbir ou quantas pessoas perderão seus empregos. “O pior que pode acontecer numa crise é o que está acontecendo, a incerteza”, diz Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, a Anefac. “Como os bancos não sabem quais os desdobramentos da crise econômica no curto prazo, eles tendem a exagerar no pessimismo. E isso se reflete no crédito, tanto na vontade do banco de emprestar como no preço que ele vai cobrar na taxa de juros.”
Assim como o pior da pandemia ainda não chegou ao Brasil, como indicam especialistas da saúde, o momento mais delicado para os bancos só está começando. Ainda não se vê um impacto significativo da inadimplência nos balanços divulgados recentemente pelas instituições. Os débitos em atraso a mais de 90 dias sobre a carteira total do Banco do Brasil até caíram se comparado a dezembro de 2019. Itaú e Santander tiveram pequena elevação, enquanto o Bradesco teve o pior desempenho — aumento, considerado leve, de 0,4 ponto percentual. “A inadimplência deve crescer muito com a crise. Além disso, há uma desvalorização cambial muito grande, o que aumentou em 700 bilhões de reais a dívida das empresas que estão com empréstimos em dólar. Isso fragilizou a economia. Como existe uma série de distorções, o mais correto, na minha visão, é provisionar mais, como o Bradesco tem feito”, afirma o economista Roberto Luís Troster, sócio da consultoria Troster & Associados.
Segundo a maioria dos analistas de mercado, o momento exige precaução por parte dos bancos. “A demanda de crédito para fazer compras, seja de bens de consumo, veículos, ou imóveis, vai cair drasticamente. Já o crédito de emergência, que é o cartão de crédito, o crédito especial, utilizados para cobrir buracos, possivelmente vai ter sua demanda aumentada, já que muitas pessoas estão com menos renda e vão ter que recorrer ao crédito no curto prazo para se virar”, diz Rafael Schiozer, professor de finanças da Fundação Getulio Vargas. “Por outro lado, os bancos devem diminuir a oferta desse crédito para cobrir buracos, e renegociar os contratos que já estão inadimplentes.” Segundo ele, as fintechs, que poderiam ser uma saída para a oferta de empréstimos como resposta às provisões efetuadas pelos grandes bancos, não conseguiram suprir a demanda. “Ninguém vai suprir essa lacuna. Hoje, existe uma pressão das autoridades para que os bancos não tirem muito oferta de crédito, mas essa pressão é mais moral do que regulatória. O Banco Central não tem nenhum instrumento para forçar os bancos a ofertarem esse crédito”, diz Schiozer.