“A Grécia é um exemplo. Praticou artifícios contábeis para fechar suas contas e, quando a Europa se deparou com a crise, foi o país que mais sofreu”, afirma professor da FGV
Publicidade
Para garantir o cumprimento da meta fiscal, o governo tem usado manobras contábeis que podem colocar em dúvida a credibilidade da sua política econômica. As iniciativas são várias. A mais recente é o investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na capitalização da Petrobrás, que vai ser contabilizado como receita extra da União. A medida aumentará o caixa do governo e vai certamente ajudar no cumprimento da meta desse ano – leia-se o dinheiro que o governo consegue economizar após pagar todas as suas contas, exceto os juros. A meta deste ano é de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB). No final de julho, quando o setor público amargou o pior superávit primário da história, a economia do governo acumulada em 12 meses representava apenas 1,76% do PIB.
O fato é que, com a queda na arrecadação – provocada pelos estímulos dados à economia no período de crise e pela própria retração da economia – e o aumento dos gastos, puxado pelo ano eleitoral, as contas públicas começaram a preocupar. Para tentar equilibrá-las, o governo já anunciou a aquisição pelo BNDES de 1,4 bilhão de reais de crédito da União referente à participação de capital da Eletrobras. A Caixa Econômica Federal antecipou ao Tesouro Nacional o pagamento de 958,48 milhões de reais em dividendos que seriam repassados somente mais tarde pelo banco. Outras estatais também deverão reforçar as receitas com dividendos.
Com tantas estratégias, analistas acreditam que a meta será cumprida. O problema é a qualidade da economia que o governo vai conseguir fazer. Na avaliação de especialistas ouvidos por VEJA.com, a engenharia financeira implementada pelo governo deixa claro que não há comprometimento com a austeridade fiscal. Neste caso, questionam, de que vale uma meta fiscal?
“O governo está mudando as regras no meio do jogo. Isso é péssimo para a transparência. A verdade é que, sem as manobras, o esforço fiscal fica abaixo do prometido. E, com as manobras, o cumprimento da meta não vale nada”, reclama o economista Felipe Salto, especialista em contas públicas da Tendências Consultoria.
Para o professor de macroeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Robson Gonçalves, não há justificativa para alterar os critérios das finanças públicas, muito menos em um ano com arrecadação e PIB batendo recordes. “A visão do governo é míope, pois ele quer resolver o problema do déficit fiscal criando outro – de falta de credibilidade e de um legado instável nas finanças públicas para seu sucessor. O que acontece é o abuso da visão de curto prazo e uma anulação da visão de longo prazo”, avalia. Segundo ele, o Brasil fez uma opção de política fiscal semelhante à grega. “A Grécia é um exemplo. Praticou artifícios contábeis para fechar suas contas e, quando a Europa se deparou com a crise, foi o país que mais sofreu”, pontua.