Estamos na era do anywhere office, ou seja, do escritório em qualquer lugar. Para manter distância do novo coronavírus, por decisão própria ou determinação da empresa, muita gente começou a trabalhar em casa, na escrivaninha já instalada ou improvisada de última hora. Mas casa, assim como o escritório, também pode ser em qualquer lugar: na praia, no campo, em um hotel ou dentro de um transatlântico — desde que haja conexão com a internet, o negócio está feito.
Uma pesquisa sobre turismo encomendada pelo aplicativo de locação Airbnb revelou que 83% dos entrevistados se mostram a favor de acomodação em outro espaço, que não o próprio lar, para trabalhar remotamente. Afinal, já que o trabalho é virtual, por que não fazê-lo a partir de um endereço com uma bela vista, ao alcance de uma caminhada quando o expediente acabar? E se, além disso, o profissional ainda puder aproveitar serviços de lavanderia, limpeza de quarto e restaurante? Não pode haver mundo melhor do que esse.
Já sabendo disso, hotéis e resorts, até por necessidade de sobrevivência, lançaram-se a alugar por temporada, dando a oportunidade ao hóspede de aliar férias ao trabalho. Para aqueles com filhos, a hotelaria oferece monitores que cuidam dos pequenos enquanto os adultos trabalham. Algumas bandeiras vão além, disponibilizando salas de aula onde as crianças estudam enquanto a escola não abre.
Os destinos dessa migração variam, mas o Nordeste, por tudo o que oferece, inclusive distanciamento social nas amplas praias, ganha de goleada. De acordo com a Azul Conecta, braço de aviação regional da Azul, um dos lugares que têm se sobressaído é Porto de Galinhas, em Pernambuco. Na Costa do Sauípe, roteiro popular na Bahia, um novo pacote, adequadamente chamado “Meu Escritório É na Praia”, permite que o hóspede trabalhe remotamente de uma mesa colocada em frente ao mar, com direito a guarda-sol e internet.
A ideia foi suficientemente tentadora para o empresário Carlos Henrique Carvalho, morador de São Paulo, juntar trabalho remoto com um pacote de curtas estadas em praias paulistas como Barra do Sahy, Juquehy e Ilhabela, e também em Sergipe e na Bahia. “Meu objetivo era me isolar em um lugar mais seguro que a cidade, onde eu pudesse ter contato com a natureza”, diz o executivo. Ele acredita que trabalhar num canto em que se sente melhor só aumenta a produtividade.
Para quem não gosta de praia, há opções rodeadas de verde. Cidades como Itu, Taubaté e Campos do Jordão, no interior de São Paulo, estão vendendo pacotes semelhantes. A rigor, não é preciso nem mesmo sair da cidade em que se mora para fazer o anywhere office. “O legal é justamente poder trabalhar literalmente de qualquer lugar”, afirma Victor Peixoto, gerente de comunicação. Paulistano, ele e a mulher resolveram passar dois dias no hotel de luxo Hilton São Paulo, só com o intuito de mudar de ares. Dizem ter funcionado, magnificamente. No Rio, o Vila Santa Teresa Hotel, um refúgio urbano de 85 000 metros quadrados com uma vista invejável do Pão de Açúcar, passou a receber 40% de sua clientela de cariocas. “Antes, 80% dos hóspedes eram estrangeiros. Nos últimos tempos, moradores da cidade passaram a reservar nossos quartos e, entre um mergulho na piscina e caminhadas pela propriedade, trabalham daqui”, diz a empresária Eva Monteiro de Carvalho.
O advento do escritório por aí afora, sem amarras, foi um alívio para o setor de turismo, que vem tendo pesadas perdas de receita desde que a pandemia começou logo após o Carnaval de 2020. É uma das poucas oportunidades de evitar estragos maiores do que os já registrados, já no patamar de 50 bilhões de reais. “Essa tendência é vital para o turismo, que se movimenta, e também para o viajante”, diz Magda Nassar, presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens. Segundo ela, o efeito clausura provocado pela pandemia despertou o desejo de viajar, e o anywhere office propicia essa possibilidade sem que se diminua o ritmo de trabalho.
Aproveitar a moda é uma boa ideia, mas ela perdurará? Uma pesquisa da consultoria Cushman & Wakefield aponta que três em cada quatro empresas brasileiras pretendem fazer do home office uma prática definitiva mesmo após a pandemia. Dessa forma, se o trabalho remoto veio para ficar, pode ser que o mesmo aconteça com o anywhere office. Nos países com campanhas de vacinação avançadas, o turismo dá sinais animadores de voltar à vida normal. Em Israel, hotéis, shoppings, safáris e museus estão reabrindo de forma segura. Da população de quase 9 milhões de pessoas, 50% já foi vacinada — o que não significa necessariamente que elas estão voltando ao trabalho presencial. Muita gente pretende trabalhar de casa ou, insista-se, de qualquer outro lugar.
E, falando em retomada, o Reino Unido começou a negociação com outros governos para reabrir os corredores turísticos. Os 20 milhões de britânicos que tomaram pelo menos uma dose do imunizante têm demonstrado preferência por destinos na Turquia e cruzeiros no Mediterrâneo. Países como Indonésia, Dinamarca e Suécia estudam a possibilidade de permitir a entrada apenas de turistas imunizados. Já a Grécia quer receber os viajantes britânicos, estejam vacinados ou não. O motivo da pressa é claro: grande parte da receita grega vem do setor turístico. Outro exemplo são as Ilhas Seychelles, arquipélago localizado no Oceano Índico, cuja dependência do turismo é total. O país foi o primeiro a anunciar a disposição em receber turistas vacinados sem exigência de quarentena na chegada.
Verdade seja dita, não há nação que não anseie pelo retorno das viagens internacionais, incluindo aí o Brasil. Levando em conta o cenário global, é de esperar que, à medida que o brasileiro vá sendo vacinado, o setor de turismo volte a funcionar paulatinamente, como um jato aquecendo suas turbinas. Nesse sentido, as expectativas não são ruins. “Acreditamos que, em julho, a temporada de turismo começará a se solidificar”, diz Magda Nassar. Por enquanto, com a vacinação avançando lentamente, o turista brasileiro terá de se contentar com viagens curtas a destinos onde possa trabalhar e se divertir ao mesmo tempo. Mas há quem esteja empolgado tanto com a continuidade do anywhere office quanto com a retomada do turismo tradicional. É o caso de Marcos Arbaitman, presidente do grupo controlador da Maringá Turismo. Ele espera para maio uma recuperação de 100% do turismo nacional e acredita que, quando 30% da população estiver imunizada, voltará a vender destinos internacionais como Nova York. É uma visão otimista. Tomara que aconteça.
Publicado em VEJA de 10 de março de 2021, edição nº 2728