Quando se referiu à queda recorde do PIB no segundo trimestre do ano, originalmente divulgada como -9,7%, agora revista para -9,6%, o ministro da Economia a classificou como o “barulho do raio”, algo que ouvimos depois que a desastre aconteceu, tese da qual discordei aqui mesmo, em VEJA. Mas, se a metáfora não ficar muito desgastada, podemos dizer que os ecos do trovão ainda se fizeram ouvir no terceiro trimestre. Houve, claro, recuperação expressiva da economia. A expansão de 7,7% no período é a mais alta já registrada para um trimestre e não tenho dúvidas que alguns analistas irão apontar o fato como prova do acerto da política econômica. Isso não esconde, todavia, ao menos dois problemas mais sérios: o número, mesmo com revisões de dados passados, veio bem abaixo do esperado (a previsão média era de crescimento de 9% sobre o segundo trimestre); além disso, seguimos ainda longe dos níveis registrados logo antes da crise.
A razão para o otimismo de muitos vinha do desempenho expressivo de alguns indicadores, notadamente as vendas no varejo e a produção industrial, que em setembro já haviam ultrapassado os valores observados em fevereiro, mostrando a tão sonhada recuperação em “V”. Não há dúvida que o auxílio emergencial, da ordem de 50 bilhões de reais mensais em seu início e agora na casa de 25 bilhões de reais ao mês, teve papel crucial nessa história. Há indicações que a renda das famílias em seu sentido mais amplo, já computando transferências governamentais como previdência e os diversos programas sociais (Bolsa Família, abono salarial, Benefício de Prestação Continuada, etc.), não caiu graças aos auxílios criados durante a epidemia; pelo contrário, parece ter subido um tanto. Com isso as famílias foram às compras, conforme capturado pelas vendas varejistas, alimentando a expansão da produção da indústria.
Todavia, parcela considerável do consumo e da produção está ligada ao setor de serviços (responsável por mais de 60% do PIB e quase três quartos do valor adicionado na economia, sem contar pouco mais da metade dos empregos no país). Esse setor segue manietado pela crise sanitária: segundo as estimativas do IBGE, produziu no terceiro trimestre ainda 5% a menos do que no final do ano passado. Tal média encobre alguns casos de cabeça no forno e pés na geladeira. Segmentos como serviços de informação e comunicação já se recuperaram plenamente; por outro lado, outros – mais dependentes da interação pessoal – como alojamento e alimentação, ou transporte aérea, permanecem cerca de 40% abaixo de onde estavam. Não por falta de renda, mas porque o distanciamento social assim o requer, notando que “distanciamento social” não é só aquele requerido pelos governos locais (já que o governo federal permanece omisso), mas também resultado dos receios de quem não quer ser infectado.
A verdade é que, sem medidas de saúde pública que eliminem a causa do problema, o maior setor do PIB seguirá com dificuldades. Trata-se de um problema sério, porque – como notamos – também a maior parcela do emprego no Brasil está associada a ele. Não por acaso, quase 75% dos empregos perdidos no país entre fevereiro e setembro vieram de lá. Em suma, sem vacina não haverá recuperação rápida dos serviços, nem do emprego, nem, portanto, do PIB. Para 2020 a queda, já encomendada, deve superar um pouco os 4,5%. Mais importante a essa altura do campeonato, a expansão de 2021 deverá ficar na casa de 3,5%, boa parte dela mais um reflexo da fraca base de comparação (no caso, 2020) do que o crescimento ao longo do ano que vem. Os ecos do trovão ainda serão ouvidos por mais alguns trimestres.
Alexandre Schwartsman é doutor em Economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley e ex-diretor do Banco Central do Brasil.