Há mais de um ano o país se prepara para receber a proposta de reforma tributária do governo. Por diversas vezes, membros da equipe econômica e até mesmo o ministro Paulo Guedes afirmaram algo que chegou a virar jargão no mercado financeiro: “semana que vem”. A semana que vem que nunca chega parece se aproximar. Nas últimas duas semanas, Guedes e seus secretários passaram a trabalhar ativamente para, de fato, entregar a proposta do governo. No ímpeto de emplacar seu projeto de reforma, que, vislumbra a redução das alíquotas cobradas aos empresários sobre a folha de pagamento, substituindo-a por um encalacrado imposto sobre movimentações financeiras (como a CPMF), além de corrigir distorções nos impostos diretos, como o Imposto de Renda, o ministro Guedes organizou uma agenda ostensiva para vender seu peixe. A proposta já foi levada ao secretário Esteves Colnago, quem faz a ponte entre Guedes e Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e aos generais palacianos, com destaque para o vice, Hamilton Mourão, e os ministros Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Alberto Ramos (Secretaria de Governo). Nesta terça-feira, 14, Guedes afina o discurso com os secretários do Tesouro, Mansueto Almeida — que está de saída —, e da Fazenda, Waldery Rodrigues, além de representantes da Procuradoria da Fazenda. Com tudo alinhado, Guedes partirá para o front da política.
Guedes e Braga Netto costuram a articulação política com os deputados Arthur Lira (PP-AL) e Wellington Roberto (PL-PB), duas lideranças do Centrão. Com influência suficiente para fazer valer a vontade do governo, ambos são os responsáveis por amansar o Congresso em relação à pauta controversa da Economia. O diagnóstico é que sem o apoio dos parlamentares, não seria possível enviar a reforma nos moldes que ela será apresentada. A questão da CPMF é tabu dentro do Congresso — pois foi o próprio Parlamento que extinguiu o imposto em 2007 numa das maiores derrotas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva — e o tema gera urticária em Maia. Aliás, Guedes e Maia não se falam há ao menos dois meses, desde quando o deputado começou a cobrar o ministro por medidas mais sólidas no combate aos efeitos colaterais da pandemia.
Como mostra VEJA na edição desta semana, Guedes e Maia travam uma disputa por território na paternidade da reforma tributária. Enquanto Maia defende com unhas e dentes um projeto de alterações que unifica três impostos federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (IPI), desenhada pelo economista Bernard Appy e contida na PEC 45, em estágio mais avançado na Câmara. Guedes, por sua vez, não larga o osso: quer um projeto que reedite a controversa CPMF, pois essa é a única maneira — em sua visão — de desonerar a folha de pagamentos.
O discurso, ao menos, está afiado. Numa transmissão ao vivo na segunda-feira 13, o vice-presidente Hamilton Mourão deu coro ao ministro e, num jogo de cena, colocou-se de forma contrária a Bolsonaro, que já se posicionou de forma contrária à recriação da CPMF. Enquanto parlamentar, Bolsonaro foi um dos que ajudou o Congresso a derrubar a CPMF na Câmara. A extinção foi consumada depois, com a ratificação do Senado. “O presidente é contra. Ele não quer jogar esse assunto na mesa por causa da memória da antiga CPMF”, afirmou Mourão ao defender que, mais cedo ou mais tarde, o assunto terá de ser discutido sem preconceitos. “Parece ser o grande Satã da reforma tributária, ninguém quer ouvir falar disso aí”, ponderou.
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Clique e AssineDerrotado na primeira tentativa, quando teve de exonerar seu amigo e então secretário da Receita, Marcos Cintra, Guedes toma todos os cuidados agora e articula politicamente de uma forma que não fez antes. Desde o episódio, marcado pelo rompante de raiva de Bolsonaro e desprezo de Maia pela proposta, Guedes entendeu que a comunicação não foi apropriada e que muita conversa seria importante para retirar o ranço dos políticos com o famigerado imposto. Por isso, veio a calhar a parceria de ocasião do presidente Bolsonaro com o Centrão para amealhar apoio no Parlamento e conseguir criar o momento certo, o que até há pouco tempo não era visto como algo possível. Esse momento se aproxima e a comprovação está na parte da sociedade, formada por economistas, mercado financeiro e empresários, que anseia para ver a proposta governista. A reforma tributária, para alguns, caso seja bem feita, pode permitir que o Brasil deixe para trás o complexo sistema de tributos atual e ingresse no círculo global de nações amigáveis aos investimentos para o setor produtivo. As pretensões com a reforma são grandes: geração de emprego, redução da desigualdade, redução das amarras ao empreendedorismo, entre outras. É uma tarefa hercúlea.