Alguns anos atrás, o engenheiro de computação cearense Júlio Peixoto emagreceu 45 quilos em seis meses, com acompanhamento endocrinológico, exercício e reeducação alimentar. Era uma questão de saúde: estava pré-diabético e, segundo ele, o desespero é sempre uma grande motivação. Em determinado momento, ouviu de um “coach de emagrecimento” sem nenhuma formação técnica que ele havia “emagrecido errado”. O episódio alimentou sua fúria contra os mentores conhecidos como coach – que, em inúmeros casos, passam adiante conhecimentos sobre os quais não possuem especialização formal – e o impulsionou a criar a página do Facebook e do Instagram Coach de Fracassos (@coachdefracassos), que hoje reúne quase 700.000 seguidores. As frases ácidas e anti-motivacionais do perfil deram origem ao livro de mesmo nome, lançado recentemente pela Editora Best Seller.
Peixoto criou sua própria forma de autoajuda, ao subverter a romantização e a positividade tóxica sintomáticas das redes sociais e dos coaches que colecionam engajamento. No livro (divertidíssimo, por sinal) ele prega que o fracasso é, sim, péssimo, mas deve ser tratado com leveza, e ensina como: daí o subtítulo, Humanizando o Fracasso com Doses de Humor. Em entrevista a VEJA, o autor revela as convicções por trás do Coach de Fracassos:
Como foi transformar uma página de rede social em um livro? No Instagram, divido o conteúdo entre as imagens, que são frases caricatas e “desmotivacionais”, e as legendas, onde destrincho um pouco alguns assuntos. Ao escrever o livro, utilizei essas principais postagens em uma versão ampliada. Também brinquei com uma comparação entre as fases do luto e as fases do fracasso e, por fim, desenvolvi um método próprio com dicas e atividades, o F.D.P, baseado nos pilares fracasso, derrota, desistência e procrastinação – assim como todo coach tem algum método com nome bem sugestivo. Tudo isso através desse personagem que é meio antipático, meio old school.
Um dos motes do livro é “o fracasso não nos define; ele nos redefine”. Pode explicar? Penso que só chegamos onde chegamos – mesmo que não chegando em lugar nenhum – por causa dos nossos erros e falhas. Décadas atrás a minha cabeça era completamente diferente, fiz outras escolhas profissionais, trabalhei em áreas que não gostei… Esses erros vão guiando a gente para o que realmente queremos, é aprendizado. Se algo ruim acontece, devemos refletir, tirar lições positivas e recalcular rotas.
Por que se considera um “desinfluencer”? Eu não vivo da internet e nunca investi um centavo na página. Comecei ela em um momento complicado da vida e serviu como válvula de escape. Quebro um pouco essa barreira: tenho uma página com mais de 600.000 seguidores, mas minha ideia não é influenciar ninguém. Às vezes alguém comenta “eu adoro a tua página”, e eu respondo “vá adorar outra coisa, ler um livro…”. Considero que estou um pouco na contramão do que a internet propõe. Como profissional da área de inteligência computacional, eu entendo bem como funcionam os algoritmos, e quando identifico um padrão, vou para fora dele. É basicamente essa brincadeira de estar contra a maré que vivemos, em que tudo virou produto.
Apesar de criticar bastante os coaches, tem algum tipo de coach que você já frequentou de brincadeira ou consideraria frequentar? Nunca fiz, nem participei de nenhum desses grandes eventos de coaching, mas já recebi e ouvi muitos relatos, de amigos e seguidores da página. Se eu fosse fazer algum, teria curiosidade no coach quântico – é um tipo peculiar, odiado por vários profissionais da ciência. Só para ver o que é e que alquimia ele propõe ali.
Você fala muito contra a dita positividade tóxica. Acredita que essa tendência cresceu durante a pandemia? Tem um CrossFit na frente da minha casa com uma placa enorme escrito #vaidacerto. No meio da pandemia, eu acordava e via milhares de pessoas morrendo, e aquela hashtag ali. Pensava: Vai dar certo como? Já deu errado há muito tempo. A população não tinha informação suficiente, os governos não estavam conseguindo resolver a questão da vacina, um caos. E seria tão mais simples dizer “pessoal, é o seguinte, f*deu geral, vamos aquietar e fazer o que dá para fazer”. A positividade tóxica, que no livro eu chamo de radiativa, cresceu na pandemia. E não se trata de ser negativo, mas sim de realismo. Tem gente que não tem imaginação para a realidade, por viver em uma bolha muito fechada. Minha forma de combater essa positividade é sempre através do humor, da provocação.
O fim do ano está chegando e as pessoas gostam muito de fazer listas de resoluções, com promessas para o próximo ano. O que acha dessas listas? Costuma fazê-las? Nunca cheguei a fazer uma, porque considero que o novo ano é só mais uma volta da Terra em torno do eixo do Sol, 365 dias. Quando a pessoa quer mudar de atitude, tem que começar a pensar e planejar ontem, não pode ser amanhã ou no próximo ano. Você não sabe nem se ainda vai estar aqui. Listinha de desejo entra na mesma categoria de cor da roupa do Ano Novo: não vai fazer muita diferença, não.
Qual seria o conselho do coach de fracassos para quem não conseguiu realizar nenhuma meta da lista? Se nada deu certo hoje, tudo dará errado amanhã.