“Os artistas estão órfãos”, diz advogado de famosos em ações da Receita
Leonardo Antonelli afirma que “o tempo dirá” se há perseguição do governo Bolsonaro contra o elenco da Globo
A Receita Federal investiga 43 artistas da Globo por suposta “associação criminosa” para sonegar impostos por meio de contratos de trabalho como pessoa jurídica, em vez do registro como empregados. O que houve, afinal? Sonegar impostos significa omitir ou prestar declarações falsas ao Fisco. E isso, com todo o respeito, nunca ocorreu. Os atores não só pagaram os tributos devidos, como informaram mensalmente à Receita a origem do seu faturamento. Deborah Secco já declarou publicamente que trabalha desde os 8 anos nesse modelo e nunca houve nenhuma ressalva na sua contabilidade.
A Globo e seus atores, diretores e autores estão sendo alvo de uma perseguição da Receita? O tempo dirá. Mas a história recente me deixa intrigado. E aqui não estou falando só sobre a devassa fiscal que o ministro Gilmar Mendes diz ter indevidamente sofrido em 2019. Essa o STF resolveu: mandou a Procuradoria-Geral da República investigar a Receita. Refiro-me ao caso mais atual e emblemático em que o próprio presidente Bolsonaro alegou que o Coaf estava no encalço de sua família, em razão dos tais depósitos do caso Queiroz. Quando duas das maiores autoridades da República se dizem perseguidas, tudo é possível.
A fiscalização pode então ser uma retaliação política contra a emissora e seus artistas? Há uma polarização exacerbada entre as partes. A classe artística está órfã. Abandonada. Vulnerável. É um erro político achar que a indústria do entretenimento se resume a um contrato com uma determinada emissora. A fila andou. Como defender perante o board dos gigantes que estão investindo no Brasil — Netflix, Amazon, HBO — que seus atores devem ser contratados pela CLT, sob pena de responderem pela prática de fraude fiscal?
Os contratos dos artistas não configuram realmente irregularidade? A partir do momento em que o STF reconheceu a legitimidade da chamada “pejotização”, não vejo como configurar irregularidade. A lei autoriza a prestação de serviços artísticos, culturais e intelectuais por pessoas jurídicas.
Afinal, há artistas de outras emissoras sendo fiscalizados? Essa é a pergunta de 1 milhão de dólares. Toda fiscalização tributária está sujeita ao sigilo fiscal. Que emissora vai fazer uma declaração pública de que não está sendo fiscalizada? Se for comprovado que houve o direcionamento contra a Globo, as chances de o Judiciário reconhecer a nulidade da operação disparam.
Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744