Promoção do Ano: VEJA por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

‘O Spleen de Paris’, de Baudelaire, atesta genialidade do poeta maldito

Nestes tempos de versos instagramáveis, uma coletânea do francês mostra o magnetismo insuperável do autor que fundou a poesia moderna

Por Diego Braga Norte Atualizado em 4 jun 2024, 14h25 - Publicado em 15 jan 2021, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • LUZ E TREVAS - Retrato do jovem Baudelaire: beleza extraída de cenas frugais do cotidiano — e também dos temas mais abjetos -
    LUZ E TREVAS - Retrato do jovem Baudelaire: beleza extraída de cenas frugais do cotidiano — e também dos temas mais abjetos - (Fine Art Images/Heritage/Getty Images)

    Charles Baudelaire era provavelmente mais maldito que famoso e talvez mais invejado que admirado quando resolveu aventurar-se por uma escrita poética “sem ritmo nem rima”, como ele mesmo escreveu. Afinal, em 1857, aos 36 anos, ele já tinha publicado a seminal coletânea de poesias As Flores do Mal — obra que, como bem definiu o crítico Otto Maria Carpeaux, fundou a lírica moderna e libertou a poesia do “monopólio tirânico dos temas petrarquescos e românticos”, expandindo para sempre suas possibilidades materiais e formais.

    Foram as flores malignas de Baudelaire que praticamente inauguraram e definiram o decadentismo, que depois seria mais conhecido por simbolismo, movimento literário que olhou para dentro do ser humano, valorizando os mistérios da alma e a transcendência. Depois dessa obra, passou a ser cool entediar-se, posar de triste, bufar e tossir (não de Covid-19, mas de tuberculose) em centros urbanos que mudavam rapidamente com a chegada das fábricas, dos operários, com o advento de novas tecnologias científicas e o nascimento de estruturas sociais e econômicas até então inéditas. “No mundo do utilitarismo, apareceu a mais inútil das criaturas, o poeta”, escreveu Carpeaux sobre o contexto em que Baudelaire vivia.

    O poeta francês já havia morrido havia dois anos quando O Spleen de Paris — Pequenos Poemas em Prosa foi primeiramente publicado na Europa, em 1869. Mas, antes de partir (com apenas 46 anos), ele deixou anotações com os títulos e a ordem dos cinquenta textos que compunham seu projeto de prosa poética, que teve a influência declarada da obra Gaspart de la Nuit, publicada em 1842 por Aloysius Bertrand, o precursor do estilo. O livro acaba de ganhar uma nova e competente tradução para o português, feita por Samuel Titan Jr., e uma edição elegante, com valiosas notas explicativas sobre os fatos e personagens citados.

    O SPLEEN DE PARIS - PEQUENOS POEMAS EM PROSA, de Charles Baudelaire (tradução de Samuel Titan Jr; Editora 34; 128 páginas; 46 reais) -
    O SPLEEN DE PARIS – PEQUENOS POEMAS EM PROSA, de Charles Baudelaire (tradução de Samuel Titan Jr; Editora 34; 128 páginas; 46 reais) – (./.)

    Alguns dos textos são pequenos e saborosos contos, outros são devaneios, inteligentes reflexões ou exortações poéticas, mas todos com a grife baudelairiana: a atenção para a cidade de Paris e suas cenas (os tableaux parisiens), suas mulheres, sua pobreza, seus prazeres e a eterna luta do bem contra o mal. É curioso que o famoso spleen, tão presente em toda a obra de Baudelaire e até no título deste livro, não determina o tom predominante na obra. Nas palavras de Jean-Paul Sartre, em seu livro Baudelaire (1947), o spleen “é o próprio símbolo da insatisfação”; não uma simples e calculada deprê para fotos com legendas motivacionais no Instagram, mas um estado de tristeza autoconsciente e reflexivo. Há nessa ação uma compreensão artística madura, moderna e existencial.

    Continua após a publicidade

    Numa época em que as religiões vinham sendo questionadas e suas regras e dogmas transgredidos, Baudelaire fez da arte sua profissão de fé, tanto para o bem e o belo como para o mal e o abjeto. Figuras soturnas conversando em um ambiente lúgubre convivem com bebês fofos e velhinhas amistosas no mesmo livro. O resultado vem da observação arguta do cotidiano, com descrições surpreendentes do que o autor vê, ouve e sente, combinações de palavras incomuns, contrastes e aproximações que só um poeta é capaz de fabular. “A velhota mirrada ficou toda feliz ao ver a linda criança que todo mundo festejava, que todo mundo queria agradar — aquela linda criatura, tão frágil quanto a velhota e, como ela, sem dentes nem cabelos”, escreve. E, um pouco adiante: “Neste mundo estreito, mas tão repleto de desgostos, um único objeto me sorri: a garrafinha de láudano, velha e terrível amiga; e, como todas as amigas, fecunda em carícias e traições”.

    No mundo de hoje, quando a poesia não encontra muita ressonância entre leitores e, com pouquíssimas exceções como o coletivo TCD e Bráulio Bessa, raramente figura nas listas de mais vendidos ou nas vitrines de livrarias, O Spleen de Paris faz-se necessário. Seus textos curtos são uma ótima porta de entrada para o universo poético não só de Baudelaire, mas de todos nós, humanos. Existe beleza e poesia na dura vida cotidiana, mesmo em tempos pandêmicos. Há esperança.

    Publicado em VEJA de 20 de janeiro de 2021, edição nº 2721

    VEJA RECOMENDA | Conheça a lista dos livros mais vendidos da revista e nossas indicações especiais para você.

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Veja e Vote.

    A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

    OFERTA
    VEJA E VOTE

    Digital Veja e Vote
    Digital Veja e Vote

    Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

    2 meses por 8,00
    (equivalente a 4,00/mês)

    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

    a partir de 49,90/mês

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.