– Guerra cultural: obsessão paranoica do bolsonarismo, embriagado por caricatas teorias conspiratórias.
– Na América hispânica, as primeiras universidades surgiram no século XVI. No Brasil, “esperamos” a primeira metade do século XX, com destaque para a fundação da Universidade de São Paulo, em 1934. A USP deve ser motivo de orgulho para qualquer pessoa imune ao analfabetismo ideológico.
– Os tuítes em série da família Bolsonaro operam uma metamorfose que não ocorreu a Franz KafKa: a modesta vírgula adquire estatuto metafísico. De onde veio? Para onde vai? O que significa?
– O ministro da Educação é a ponta de lança da direita neandertal, liderada por um grupo inculto, que vive em combate com a ortografia, em luta com a pontuação, em desafio perpétuo à lógica mais elementar. Além de trocar autores por acepipes e reflexão por baixo calão.
– No Elogio da Loucura, de Erasmo, a própria não dá um passo sem consultar os clássicos. Ao tratar de tema espinhoso, a Loucura mostra-se sensata: “Interrogai Homero e os outros poetas, e eles poderão dizer-vos (…) belíssimas coisas”. Perseguir as Humanidades ameaça a humanidade em cada um de nós. Sem elas, como ampliar nossos repertórios, de modo a acolher o outro em lugar do desejo de eliminação?
– Guerra cultural em estado de dicionário: desinformação acima de tudo, ignorância acima de todos.
– A produção científica brasileira ocupa um honroso 13º lugar em todo o mundo e as universidades públicas são responsáveis por 95% da produção científica nacional. Porém, segundo o presidente Bolsonaro e o ministro Lorenzoni, as universidades privadas lideram as pesquisas no Brasil! Como diferenciar manipulação de dados e analfabetismo ideológico?
– Formado em economia, o ministro Weintraub se diverte manipulando “chocolatinhos” — números, em seu vocabulário maduro. Em entrevista autoconfiante, repetiu cinco vezes que o governo gastaria meros 500 000 reais para avaliar 7 milhões de estudantes. Uma façanha difícil de igualar: de fato, o governo gastará 500 milhões! O ministro, gestor peculiar, inovou na arte da administração: 99% arrogante e 1 000% atrapalhado.
– Tarefa urgente: ler Max Scheler. Gráficos coloridos, confissões constrangedoras, tabelas suspeitas, chocolates partidos e indicadores malandros — a pantomima ridícula de objetividade mal disfarça a motivação subjetiva do ministro Weintraub, ou seja, do bolsonarismo: ressentimento.
– O governo entrou na rota da entropia ao abraçar uma guerra cultural insensata. Assim, busca disfarçar a inépcia administrativa e a ausência de projeto nacional por meio de uma hipócrita patrulha de costumes e por uma política do ódio que, como o ciúme definido por Iago, “é um monstro / (…) que vive a escarnecer da carne / Que o nutriu”.
– O ressentido é um refém do passado. Precisamos, pelo contrário, e num futuro próximo, finalmente transformar o País-Brasil na Nação-Brasil.
– Ainda há tempo — cada vez menos, porém.
Publicado em VEJA de 22 de maio de 2019, edição nº 2635