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Livro resgata mulher que enfrentou Stalin para salvar obra do marido

O arrebatador 'O que Ela Sussurra', da paulistana Noemi Jaffe, mostra os esforços heróicos de Nadejda Mandelstam

Por Eduardo Wolf
Atualizado em 8 Maio 2020, 11h08 - Publicado em 8 Maio 2020, 06h00
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  • “Acho que sei lidar com a raiva e o ódio. Perdi a vontade e a força de senti-los; dá muito trabalho e não resulta em nada.” A frase conquista o leitor de maneira atemporal, universal — pouco importam as coordenadas históricas e geográficas para a identificação com uma verdade existencial como essa. Mas dita, como é, na voz de Nadejda Mandelstam (1899-1980), esposa e companheira inabalável do poeta Óssip Mandelstam (1891-1938), perseguido, preso, torturado e morto pelo regime stalinista, sua força e sua verdade arrebatam o leitor de modo muito mais vital e concreto. Foi Nadejda (“esperança”, em russo), afinal, quem encarnou o símbolo da mais sutil, da mais abstrata e da mais bela das resistências ao embrutecimento aniquilador do stalinismo — sussurrando, dias e noites a fio, por anos, os versos do marido preso e morto, preservando-lhe a memória, tecendo a história e restituindo verdade ao real. É a essa voz que a escritora paulistana Noemi Jaffe dá vida em O que Ela Sussurra. É Na­dej­da quem narra esse breve e impactante romance, inspirado em uma história verídica. A arte de Noemi, neste seu oitavo livro, confere a ela contornos irre­tocá­veis com seu domínio da linguagem e com a explosão da beleza humana em cada memória preservada, em cada verso evocado, em cada sonho frustrado — mas não traído.

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    O QUE ELA SUSSURRA, de Noemi Jaffe (Companhia das Letras; 160 páginas, 49,90 reais) (./.)

    Preso por alguns versos que satirizavam Stalin (o “montanhês do Kremlin com dedos gordos como vermes”), Mandelstam, um dos maiores nomes da literatura do século XX, vivia à sombra da ordem do ditador: “Isolar, mas conservar vivo”. À primeira prisão, que já viera na esteira de anos de ostracismo, seguiu-se a existência empobrecida e humilhada pelo interior da União Soviética, forçado a morar apenas em cidades pequenas e afastadas. Residindo em Voronéj, ali mesmo coube a Nadejda lidar com a perseguição implacável do regime, com as traições várias, com as lealdades poucas, com a miséria renovada, com a loucura suicida e a paranoia justa de Mandelstam. Sobretudo, coube a ela lidar com seus versos. Em cadernos, transcritos ou copiados, vivia a poesia. Até que o isolamento e a precariedade não mais bastaram para atender aos caprichos homicidas de Stalin. Proteção não havia. Preservação era mito. Em 1º de maio de 1938, três homens bateram à porta do casal e levaram Mandelstam. Dessa segunda prisão, o poeta não regressaria.

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    “Meu primeiro livro foi Pedra e o último também vai ser”, disse o poeta ao companheiro de gulag, o campo de trabalhos forçados, com quem carregava tijolos só para se exercitar, aludindo ao título de seu livro de estreia. Seriam seus últimos dias antes de morrer e antes que Nadejda Mandelstam recebesse um bilhete para que fosse a um posto de correio para apanhar a devolução de um pacote que enviara ao marido: “Destinatário desaparecido” era o eufemismo para morto. Hoje, a história e seus brutos fatos são conhecidos. Pode-se ler o incontornável Hope against Hope, de 1970, em que Nadejda recupera o calvário de Mandelstam (e dela). Hoje, os versos do poeta são patrimônio de uma humanidade ferida, a que se tem acesso graças à entrega de Nadejda a essa guerra única. Como disse o poeta irlandês Seamus Heaney, ao sussurrar e memorizar a obra do marido, que não poderia correr o risco de ser encontrada em papel, para que os verdugos stalinistas não a destruíssem, Na­dej­da tornara-se uma “guerrilheira da imaginação, devota à causa da poesia”. Hoje, com o nada menos que brilhante O que Ela Sussurra, Noemi Jaffe opera o milagre vital da literatura — paralisa o tempo, como Nadejda o paralisara com as palavras sussurradas do marido, e liberta o trágico casal do rumoroso fluir do tempo. Inscreve-os, assim, sob a forma de uma esperança — como a do nome Nadejda — em papel firme como pedra.

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    Publicado em VEJA de 13 de maio de 2020, edição nº 2686

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