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Júri presidido por Paul Verhoeven premiou o amor excêntrico

Escolhas em Berlim foram em geral coerentes, destacando os favoritos, com duas exceções: melhor ator e Alfred Bauer

Por Mariane Morisawa, de Berlim
Atualizado em 4 jun 2024, 19h39 - Publicado em 18 fev 2017, 20h27

Estava difícil prever qual filme levaria o Urso de Ouro. No fim, a escolha do húngaro Testrol És Iélekrol (On Body and Soul, em inglês) faz sentido, especialmente em se tratando de um júri presidido por Paul Verhoeven. O longa-metragem é uma história de amor com suas excentricidades e um toque de mistério, com um bocado de humor, que floresce no mais improvável dos lugares: um matadouro.

Mária é quase um Sheldon Cooper (personagem da série The Big Bang Theory) em versão feminina, praticamente incapaz de fazer qualquer contato mais íntimo com outros seres humanos. Isso até conhecer Endre (Géza Morcsányi), o chefe mais velho, introvertido e solitário que sofre com os efeitos de um AVC. Os dois descobrem que estão sonhando a mesma coisa – um cervo macho e uma fêmea que interagem numa floresta nevada.

As cenas são das mais belas apresentadas durante o 67º Festival de Berlim, mas a diretora e roteirista Ildikó Enyedi, quinta mulher a ganhar o Urso de Ouro, leva a história um pouco longe demais. A escolha privilegia o pequeno e pessoal em vez de temas políticos ou sociais mais evidentes, ainda que faça ali uma pequena defesa do direito dos animais e uma certa crítica a ambientes de trabalho desumanos. “Sinto no dia a dia que consigo expressar muito menos do que sinto dentro de mim. E acho que é o mesmo com as outras pessoas. Queria falar dessa dificuldade”, disse Enyedi.

Outros favoritos acabaram sendo premiados, só não com o principal troféu. O finlandês Aki Kaurismäki ganhou o Urso de Prata de melhor diretor por Toivon Tuolla Puolen – depois de nem se levantar para buscar o prêmio, não compareceu à coletiva de imprensa. Bamui Haebyun-eoseo Honja, de Hong Sang-soo, ficou com o prêmio de melhor atriz para Kim Minhee. “Uma das coisas de trabalhar com este diretor é que ele só entrega as páginas do roteiro no dia da filmagem”, disse Minhee. “Então tinha pouco tempo para preparar e tinha de saber instintivamente o que ele queria.” Modesta, atriz disse que não importa se o prêmio vai ajudar sua carreira. “O que interessa é poder ajudar o filme.” Sang-soo retribuiu a gentileza, recusando-se a responder a uma pergunta, dizendo que o momento era de Minhee. Félicité, de Alain Gomis, também frequentava algumas listas de melhores, mas talvez ninguém tenha imaginado que levaria o Grande Prêmio do Júri, uma espécie de vice-campeonato.

O Urso de Prata de roteiro para o chileno Una Mujer Fantástica pareceu pouco para o filme – muita gente esperava um prêmio histórico para a atriz trans Daniela Vega, uma das melhores do festival. Mas era difícil concorrer com a sul-coreana Kim Minhee, num personagem complexo. A única chance era se o filme de Sang-soo levasse algo maior (o júri evita dar dois prêmios para a mesma produção). Mas Vega foi uma estrela assim mesmo, chamada ao palco depois que Lelio e o co-roteirista Gonzalo Maza fizeram seus agradecimentos e presente na coletiva de imprensa. “O sentimento agora é misturado, estranho e complexo”, disse Daniela. A atriz também falou sobre a situação da comunidade trans no Chile. “Não acho que seja diferente do resto do mundo, é sempre muito difícil. Há uma marginalização. Mas existe uma tendência hoje de trazer pessoas que estão à margem para o centro. A comunidade artística tem um grande papel nisso.”

O Urso de Prata de ator para o austríaco Georg Friedrich, do soporífero Helle Nächte, de Thomas Arslan, é um exagero claro, mas é fato que havia poucas atuações masculinas dignas de nota. O prêmio mais sem noção, porém, foi o Alfred Bauer, para filmes que apontam novas direções, para Pokot, de Agniezska Holland. Independentemente da qualidade do longa-metragem – que é bem problemático, apesar de ter seus momentos divertidos –, não há nada de inovador ali.

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