Gravação rara de show ao vivo de ‘A Love Supreme’, de Coltrane, é lançada
Apresentação de 1965, em Seattle, traz obra-prima do saxofonista que marcou a história do jazz

Embora as gravações de jazz feitas no ambiente controlado dos estúdios soem incrivelmente imersivas, algo mágico e de difícil explicação acontece quando esses mesmos artistas se reúnem para tocar ao vivo. Em 1965, o saxofonista John Coltrane fez um show no The Penthouse, em Seattle, nos Estados Unidos, em que apresentou durante 75 minutos, na íntegra, sua obra-prima, A Love Supreme, uma suíte dividida em quatro partes gravada um ano antes. Por décadas, a apresentação (a única do artista como líder de banda na cidade) ficou guardada na coleção privada do saxofonista Joe Brazil, de Seattle, até ser recuperada e, agora, relançada, disponível em todas as plataformas de streaming.
A descoberta da gravação ao vivo de A Love Supreme ganhou uma conotação ainda mais histórica porque pouquíssimas vezes o saxofonista tocou a peça na íntegra, depois de tê-la gravado nos estúdios. Por anos, a única gravação ao vivo conhecida era a do festival francês de Juan-Les Pains, de julho de 1965, lançada há quase 20 anos. “Um evento tão significativo em termos da história do jazz como qualquer joia de arquivo descoberta na última década ou mais”, concluiu o jornal The New York Times.
Para Coltrane, A Love Supreme foi uma espécie de libertação espiritual, com composições fortemente influenciadas por religiões de matrizes africanas e asiáticas, inclusive o hinduísmo. O álbum chegou a ser descrito por ele como “humilde oferenda ao Divino”. Na apresentação de Seattle, Coltrane dá às peças musicais uma abordagem mais solta e improvisada, quase como se estivesse num culto religioso. Em sua banda, o acompanharam Pharoah Sanders nos saxofones, McCoy Tyner no piano, Elvin Jones na bateria, e Jimmy Garrison e Donald (Rafael) Garrett nos baixos. Carlos Ward, então um jovem saxofonista que estava começando sua carreira musical, também participou do show.
Se por um lado trata-se de uma joia rara da música, por outro lado, a gravação não está à altura do mestre. Feita com dois microfones de palco, conectados a uma bobina Ampex (um tipo de fita que sofre danos ao longo dos anos causados pelo calor ou umidade), nos momentos mais tranquilos das músicas, é possível ouvir o chiado da gravação. Surpreende, no entanto, que mesmo depois de tantos anos, os instrumentos ainda soem claros e sem distorções. De fato, quando se ouve jazz, algo mágico acontece.