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Globo de Ouro 2020 e o cinema ‘raiz’

Entre a dominação Netflix e diretores renomados, cerimônia deste ano reflete questionamentos recentes sobre a arte de fazer cinema

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 3 jan 2020, 14h25

O ano que passou foi bastante significativo para a indústria cinematográfica. Após um longo imbróglio contra a irrefreável Netflix, o mercado e badalados cineastas se renderam ao streaming: exceto o Festival de Cannes, que, engessado, continua olhando para a plataforma online como sua pior antagonista. Para o tradicionalíssimo evento francês, Netflix não é cinema. Mas o que é cinema? A dúvida ficou ainda mais cortante quando um cineasta do quilate de Martin Scorsese lançou pelo canal seu novo filme, O Irlandês: um cinemão na melhor definição que o termo pode ter. No calor da discussão, Scorsese fez outra afirmação que sacudiu o meio: filmes da Marvel é que não são cinema. Nem Thanos, o grande vilão roxo e insuperável do estúdio, esperava por essa.

Na queda de braço entre o que é e o que não é cinema, tanto Cannes quanto Scorsese têm lá certa razão, mas estão longe de ganhar a briga. A prova é o Globo de Ouro deste ano, que acontece domingo, dia 5. Erroneamente considerada uma prévia do Oscar – na verdade, está mais para um esquenta — a cerimônia gosta de surpreender. É mais ousada e menos previsível que a festa da Academia de Hollywood: e também comete mais erros. Seus indicados comprovam que entre heróis, Netflix e “Scorseses” há lugar para todo mundo, contanto que estejam dispostos a tirar o espectador do lugar de conforto. Este sim, o principal papel do cinema.

Na categoria de melhor filme dramático, o prêmio elegeu logo três títulos da Netflix: O Irlandês (de Scorsese), o badalado História de um Casamento (de Noah Baumbach, diretor pop do cinema independente) e Dois Papas (dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles). À primeira vista, os longas parecem completamente distintos entre si. Scorsese investiga os bastidores da máfia nos Estados Unidos. Baumbach escrutina o fim de um casamento. Enquanto Meirelles ri das idiossincrasias e diferenças de dois pontífices. No cerne, os três são muito parecidos: todos são ancorados em grandes atuações, diálogos cativantes e observações criativas sobre microuniversos que, no fundo, são universais.

Concorrem com o trio, veja só, Coringa, o filme sensação do ano saído do criticado mundo dos super-heróis: mas que se mostra tão próximo do que Scorsese faz. O popular longa estrelado por Joaquin Phoenix nada mais é que um mergulho numa sociedade degenerada e em seus personagens violentos, frutos daquela realidade — alguma semelhança com O Irlandês?. Por fim, outro forte nome na disputa é o drama de guerra 1917 – que chega ao Brasil em 23 de janeiro. Dirigido por Sam Mendes, vencedor do Oscar por Beleza Americana (1999), o longa tem sido amplamente elogiado ao fazer um recorte da I Guerra Mundial, com enfoque em dois soldados com uma missão perigosa. A disputa é tão acirrada que é difícil prever um vencedor.

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Cenário parecido se repete na categoria de filme cômico. Outro celebrado diretor aparece entre os indicados: Quentin Tarantino concorre com seu Era Uma Vez em… Hollywood. Ele disputa o troféu lado a lado com o ousado longa da Netflix (ela de novo!) Meu Nome é Dolemite, de Craig Brewer, com Eddie Murphy, e o musical não menos chocante Rocketman, sobre a vida de Elton John. Entre Facas e Segredos, uma releitura de Agatha Christie com elenco estrelado, também está no páreo. Mas o longa que mais tem levantado sobrancelhas na categoria é Jojo Rabbit, sátira sobre o nazismo e o nacionalismo protagonizada por um garotinho alemão que tem como “amigo” um Hitler imaginário. A controversa produção assinada por Taika Waititi (de Thor: Ragnarok), que chega ao Brasil em fevereiro, motivou discussões que irritaram da direita à esquerda, assim como conquistou diversos elogios. Afinal, cinema é para isso mesmo.

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