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Futuro da música será você dentro do clipe, diz especialista

Especialista em streaming e marketing musical, professora Catherine Moore analisa os acertos de celebridades bem-sucedidas

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 18h41 - Publicado em 17 mar 2017, 10h43

Após quase duas décadas de crise, a indústria fonográfica, recentemente, voltou a respirar. A popularização de sites de streaming como estratégia de combate à pirataria ajudou. Além disso, nomes fortes da música, como Adele, Beyoncé e Drake, injetaram esperança no mercado ao vender discos como se fossem os bons e velhos anos 1990. O trio aprendeu a sobreviver com uma combinação de produção de qualidade, criatividade no marketing e a ajuda de dados de sites especializados, que os permitem programar melhor a distribuição. É esta a análise da consultora e professora de música, tecnologia e mídias digitais Catherine Moore, da Universidade de Toronto, no Canadá. E Catherine vai adiante: ao examinar a relação entre música e tecnologia, prevê que um fã de Beyoncé possa, num futuro não muito distante, entrar em um clipe da cantora, graças aos recursos da realidade virtual. Confira na entrevista abaixo o que espera a docente para a indústria da música – e como ela ainda pode se relacionar com seu passado, firmado pela onda dos rádios.

 

A professora Catherine Moore
A professora Catherine Moore (Arquivo pessoal/Divulgação)

É exagero dizer que o streaming salvou a música? Ele realmente é representativo. Facilitou o acesso à música e se tornou uma opção contra os downloads ilegais. Porém, o mercado da música também se tornou mais competitivo. Nas rádios, um artista compete com os lançamentos da semana. No streaming, ele encara os últimos 70 anos da música. O acervo é grande e os pequenos artistas tem que lutar com força para se destacar entre os grandes hits do passado e também os músicos best-sellers, como Adele, Beyoncé, Justin Bieber, Drake, Rihanna, entre outros. A indústria musical é baseada no tripé: marketing, distribuição e produção. Os artistas precisaram ficar mais criativos para se destacar e resistir. Os grandes discos dos últimos anos conquistaram pela ousadia no lançamento, mas são álbuns excelentes. A música boa é a que sobrevive

Adele e Beyoncé, aliás, foram tema de discussões calorosas recentemente por causa do Grammy. São duas artistas de audiência mainstream. E mesmo com a polêmica, elas saem ganhando. Tanto que o disco de ambas, Lemonade e 25, cresceram mais de 200% em vendas logo no dia seguinte após a cerimônia. A função do Grammy é premiar a excelência musical e não a venda, a popularidade do artista. Mas esse conceito, na prática, é subjetivo. A música mainstream é a que agrada mais no geral, é uma herança da cultura do rádio. Logo, ela é mais premiada.

Qual dos artistas atuais tem usado bem a seu favor o tripé citado de marketing, distribuição e produção? A Beyoncé, justamente, é uma grande personalidade nestes quesitos. Ela está sempre em evidência na mídia. Foi ousada em lançar um single, da música Formation, durante o Super Bowl. Em seguida ela anunciou uma turnê e o disco Lemonade, que foi exibido na HBO como um álbum visual  Antes, ela já tinha lançado de surpresa um disco. Então, é um exemplo de criatividade em marketing musical. Antigamente, um disco precisava de cerca de três meses para ser anunciado e bem divulgado antes de chegar às lojas. Hoje, se a Beyoncé lançar um disco hoje e anunciar apenas amanhã, ainda seria bem sucedido.

Esse tipo de criatividade também vem com o preço de tentar se superar a cada lançamento. Sim, tanto que as pessoas esperam surpresas da Beyoncé. E ela parece aberta a inovar. Por outro lado, não é necessário nenhum tipo de publicidade rebuscada ou cara antes de nada que ela for lançar. O marketing musical é como você se comunica com seu fã e os permite comunicar de volta. Quanto mais criativa for essa comunicação, menos atenção estas pessoas vão dedicar a outros artistas, porque estão focadas em você.

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Em fevereiro, Katy Perry lançou uma música nova em globos de espelhos espalhados por algumas cidades do mundo. Para ouvir, o fã tinha que encontrar o globo. Apesar da criatividade, a mídia em Nova York afirmou que poucas pessoas apareceram aos locais marcados. O que acha dessa ação? Foi uma boa ação, mas que enfrentou as adversidades de uma empreitada fora do conforto de casa. Algumas pessoas gostaram da caçada, do mistério de onde os globos estariam. Porém, na mesma semana teve uma nevasca em Nova York, estava muito frio. O que pode ter prejudicado a ação. Mas vale a tentativa, mesmo que você não tenha controle sobre o resultado.

Existe uma fórmula para inovar sem errar? O artista tem que manter o público interessado nele. Deixar petiscos como uma trilha, antes de um lançamento. Colocar mistério no marketing. Quando o Radiohead se preparava para lançar A Moon Shaped Pool, em maio de 2016, antes eles apagaram todas as publicações em suas redes sociais. Isso criou um burburinho. Fez as pessoas especularem. Pouco tempo depois eles soltaram o disco. Isso é importante. Precisa acertar o “time”. Excesso de mistério frustra os fãs, que passam a prestar atenção em outra coisa. Outro artista. Em tempos de excessos de informação, o músico disputa a atenção de seus fãs. Em contrapartida, é importante levar em conta o perfil e personalidade do músico. Caso do Kanye West. Ele é previsivelmente imprevisível. Ele disse que lançaria um disco, depois volta atrás. Fala um título, depois muda, e muda novamente. Diz que terminou, depois diz que não. Anuncia que o disco vai estar em uma plataforma, depois muda de ideia. Essa inconstância funciona para ele. Combina com o personagem que ele criou.

“Em tempos de excessos de informação, o músico disputa a atenção de seus fãs.”

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 Adele e Taylor Swift venderam muitos discos nos dois últimos anos. Elas possuem estratégias que parecem mais conservadoras que alguém como Beyoncé. Por que então elas ainda vendem tanto? Ambas são um resultado da herança das rádios. Para ter espaço nas frequências, os artistas fazem músicas palatáveis, curtas e pop, que são mais aceitas. A rádio não quer apresentar novos talentos. Ela quer audiência, para atrair publicidade. Então ela aposta no que dá certo. O que diferencia Adele e Taylor é que ambas são muito talentosas e presentes nas redes sociais e na TV. As pessoas amam vozes fortes, músicas poderosas e emotivas, que causam uma conexão com a letra.

Esse tipo de produção não vai mudar na era streaming, em que outros ritmos têm mais espaço? Pouca coisa mudou. As pessoas querem música para se divertir. Não para serem críticas. No dia a dia, elas querem entretenimento, diversão, ou conforto, ou memórias felizes. É aí que os sites de streaming são vitoriosos ao usar os algoritmos, que traçam não só o estilo de cada ouvinte, mas também sugerem playlists com um “humor do dia”. As playlists temáticas são grandes caminhos para se destacar nessa plataforma. Você vai malhar? Ou quer relaxar? Quer se concentrar no trabalho? Ou se animar para a sexta-feira? Todos estes temas terão uma playlist especial. Os algoritmos dos sites de streaming funcionam para se conectar com o ouvinte todos os dias, em todos os momentos. As músicas ficam cada vez mais pessoais e personalizadas.

“Os algoritmos dos sites de streaming funcionam para se conectar com o ouvinte todos os dias, em todos os momentos. As músicas ficam cada vez mais pessoais e personalizadas.”

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Existem previsões de que o rádio e o CD vão acabar em cerca de uma década. Concorda? Acho difícil o rádio ser extinto assim tão rápido. Ainda existe a cultura do rádio como veículo de informação prática. Noticiário, esporte, previsão do tempo, de trânsito. É a mídia que se ouve no carro. Para música, é complicado prever. Já o CD deve se tornar um artigo de colecionador, como o vinil. Hoje em dia é difícil ter um aparelho para ouvir CD. Nem os computadores são mais fabricados com essa funcionalidade. Porém, neste momento de música digital, em que a quantidade de bandas e estilos se proliferou, o CD ainda mantém um status de dizer que tal artista é um artista sério, profissional. Serve bem como cartão de visitas. Como material de divulgação para imprensa, empresários, marcas patrocinadoras.

E no caso da TV, como plataforma de divulgação musical? A TV é e ainda será por muito tempo um importante canal de divulgação musical. Até mais que o rádio. Primeiramente é importante dizer que a TV não está presa ao aparelho. Você pode ver TV no YouTube, no computador, no celular. Onde estiver. O conceito de televisão mudou e ficou mais atrativo. O Justin Timberlake fez uma parceria com a Netflix, que lançou um documentário com show dele. Não importa onde o vídeo é visto. O importante é ficar em evidência. Também é importante criar uma identidade visual que seja de fácil reconhecimento. Quem vê um vídeo feito pela Beyoncé, sabe logo que é dela e não da Adele. Os programas de talk show também conseguiram se desvencilhar da programação fixa da TV, e são ótimas plataformas de lançamento. Caso do James Corden Carpool Karaoke, que é um sucesso na televisão e no YouTube. É simples e bem feito. Os artistas adoram.

Atualmente, muitos artistas estão se posicionando contra o Donald Trump. Criticar um político também pode ser uma estratégia de marketing? Chega um ponto que o artista precisa pensar em como ele quer usar sua visibilidade e fama. Tem que ser uma escolha pessoal. E, se ele escolher apoiar ou criticar uma visão política, ele precisa estar pronto para receber críticas e talvez perder alguns seguidores, ou ganhar outros. Isso também pode afetar a maneira como uma pessoa olha para a arte produzida por ele. Por isso não é uma boa estratégia de marketing, tem que ser feita apenas se o artista acredita nisso. Pois existem vantagens e desvantagens. É o mesmo para causas sociais. Não é uma boa ideia fazer caridade se não acreditar na causa. Não vai durar. Melhor não fazer.

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O que podemos esperar de interessante para o futuro de plataformas de divulgação musical? O grande potencial do momento é a realidade virtual. Algumas coisas já estão se movimentando nesse campo. Projetos multidimensionais e álbuns em aplicativos, como a Bjork fez, são boas apostas para o futuro. Porém, eles requerem uma tecnologia toda desenhada para cada projeto. Não existem padrões estabelecidos. Logo, tanto a produção quanto a receptividade são afetadas. É caro começar uma tecnologia do zero. E se a pessoa não possui o aparelho adequado para desfrutar daquele conteúdo, o material ficará perdido.

“Imagine você dentro de um videoclipe, com pessoas dançando ao seu redor. A realidade virtual pode oferecer isso.”

Qual a solução para isso? A Universal, uma das maiores gravadoras do mundo, lançou recentemente uma plataforma especial de realidade virtual, um aplicativo chamado VRTGO. Isso mostra que eles estão comprometidos com a ideia de padronizar a plataforma como um local para lançamentos. Assim, se um artista quiser lançar algo em realidade virtual, será mais viável financeiramente para ele, pois não terá que desenvolver a infraestrutura do zero. Ele já tem uma plataforma disponível. Será também mais fácil para as pessoas usarem.

Como a realidade virtual poderá ser usada em um lançamento musical? Não existem muitas experimentações ainda neste ambiente. O que sabemos é que se o material não for bem produzido, vai deixar o usuário muito desconfortável fisicamente. Os óculos de realidade virtual podem causar um efeito desorientador. A tecnologia também precisa melhorar. E pensando em música, são muitos estímulos envolvidos. A música e imersão em uma realidade 360. Imagine você dentro de um videoclipe, com pessoas dançando ao seu redor. A realidade virtual pode oferecer isso. Se for bem feito, a experiência pode ser legal. Acredito que as pessoas vão gostar mais de explorar um conteúdo que mostra os bastidores da construção da música, uma jornada visual, do que ser transportados para dentro de um show. Mas tudo ainda é experimental. E promissor.

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