Muito antes da descoberta dos primeiros antibióticos, a medicina fazia uso de todo tipo de técnica para cuidar dos doentes. A sangria terapêutica, que consiste em retirar uma pequena quantidade de sangue de pacientes para estimular o crescimento de células vermelhas e aliviar sintomas de algumas doenças, é uma delas. Por séculos, o método foi uma das únicas ferramentas para se tratar muitas doenças. Agora, um estudo conduzido pela Universidade de Bicocca, em Milão, sustenta que ele pode ser a explicação para um dos maiores mistérios da história da arte: a precoce morte do pintor renascentista Rafael Sanzio, aos 37 anos, há 500 anos.
Ao que indica a mais recente análise das circunstâncias envolvendo a morte do artista italiano, a sangria foi escolhida para tratar um acesso de febre alta e contínua, mas, ao contrário do que se esperava, o enfraqueceu. De acordo com uma das autoras do estudo, a pesquisadora Michele Augusto Riva, a hipótese é de que ele tinha pneumonia, já que não havia indícios de malária, febre tifóide e sífilis, tampouco de doenças intestinais. “Na medicina da época, era comum retirar sangue de pacientes para o tratamento de diversas doenças, mas não era aconselhável para casos pulmonares. Rafael, no entanto, não explicou a origem da própria doença, nem seus sintomas, o que levou seu médico a erroneamente fazer uso da sangria”, disse a pesquisadora ao jornal britânico The Guardian. “Temos certeza de que a técnica contribuiu para a morte dele.”
Fontes e materiais históricos proveram informações adicionais sobre a fatalidade, indicando que se tratava de uma doença aguda caracterizada por picos contínuos de febre. “Na verdade, ela não causou a morte imediatamente. Durou cerca de uma a duas semanas e não era severa a ponto de o impedir de deixar seus negócios em ordem antes de partir, inclusive até criar um testamento”, diz o estudo. Os rumores de sua ativa vida sexual ainda criaram o mito de que ele sofria de sífilis, e que foi a doença sexualmente transmitida a real causa mortis de Rafael.
O mestre renascentista é hoje homenageado em inúmeros museus italianos por seu 500º aniversário de morte, cujas exposições entraram no olho do furacão da pandemia e quase correram o risco de suspensão definitiva. A principal está em cartaz na galeria Scuderie del Quirinale e logo se tornou símbolo do lento e gradual processo de reabertura cultural da Itália. Retomada em 2 de junho e com seus mais de 900 ingressos inaugurais esgotados, a mostra foi estendida até 30 de agosto com horários de visitação e limite diário de visitantes esticados, mas ainda seguindo protocolos de segurança sanitária para evitar uma segunda onda de contágios do novo coronavírus. É um renascimento limitado, mas ainda assim um renascimento — tudo o que o mundo deseja.